sábado, 9 de maio de 2020

Profetas não são desejados, são necessários.

O nosso mundo tem um costume curioso, somos apaixonados pelo discurso de mudança mas, é a coisa que mais detestamos. Entre o povo de Deus não é diferente e isso é facilmente analisado quando lemos as escrituras. Seja na Bíblia ou na história da igreja, aliás é por isso que o lema Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est ao falar da necessidade da igreja reformada estar sempre se reformando não consegue sair da teoria para a prática (na maioria das vezes).

Jacob Boehme: um profeta incompreendido em sua época.
Apesar de sempre clamar por libertação, se Deus enviava a libertação logo a queixa era por não ter ficado tudo como antes. Foi assim com o povo que chorava por viver como escravo no Egito e quando Deus guia Moisés para os libertar logo começam a sentir saudades das panelas de carne do Egito.

Claro que muitas vezes o saudosismo e o apego ao que não serve mais vem disfarçado de várias formas: Moisés tentou arranjar desculpas para não falar, Jonas tentou arranjar desculpas para fugir, os judeus logo arranjaram a desculpa de Jesus esta endemoninhado, … Veja que algumas desculpas podem ter um fundamento real, sem serem mais do que desculpas como no caso de Moisés que de fato tinha um problema com a fala, outras são apenas mentiras como a dos judeus contra Jesus.

Existe uma charge famosa na qual um orador pergunta para uma platéia quem quer um mundo melhor e todos levantam as mãos, mas ao perguntar quem quer ser melhor para o mundo ninguém levanta a mão. A realidade é que mudar exige sempre uma mudança em nós mesmos, um processo de conversão e no fim das contas raramente estamos interessados nisso.


Os profetas, ou seja aqueles que aceitaram o chamado cristão para a profecia (e como o mover do Espírito não é algo limitado a uma casta ou grupo em específico), nos lembram disso e por isso são perseguidos e mortos como podemos ver nos textos de hoje.

A simples rejeição da profecia é sempre feita com discursos simplistas, o famoso argumentum ad hominem (quando se ataca ao defeitos e limites do argumentador ao invés de se questionar o argumento dele) é uma das formas mais comuns. E pasme, não faz sequer sentido para nós que somos cristãos e acreditamos no poder de Deus de usar quem ele quer, por pior que seja. Não, não...

“Não perseguimos o profeta, mas vamos rejeitar a profecia dizendo qualquer coisa que alivie nossas próprias consciências: não possui a mesma cultura, estudo, vivência, experiência, dom do que nós. Nem mesmo nos daremos conta do absurdo que é clamarmos por mudança se rejeitamos qualquer um que não esteja nos mesmos critérios e padrões que consideramos ideais”. Uma curiosa e bem discreta maneira de rejeitarmos a mudança é querermos que ela seja apenas uma mudança para como sempre foi feito e por quem sempre fez. “Talvez quando se tornar um de nós ou o que queremos possamos ouvir o que ele diz, afinal será só um eco de nossa voz e a única mudança real será no orador”.


Isso explica em partes o pensamento reacionário que infestou nosso mundo com a promessa de mudança contra mudanças, a única mudança prometida é a de voltar a fazer como sempre foi feito e com essa mudança na realidade estamos tentando impedir qualquer mudança.

Nossa sociedade é um cachorro correndo atrás do próprio rabo, ou talvez o famoso símbolo do ouroboros com a serpente que se engole, por isso a história humana se repete em ciclos (com as devidas mudanças no calendário, na tecnologia e etc). A profecia é necessária, mas nunca é desejada ou bem recebida e principalmente ela é inesperada: pode vir da boca da criança, do jumento, das pedras que clamam, pode vir de alguém detestável que Deus usou naquele momento, quase nunca vem de onde esperamos.


Ninguém esperava que o messias, da linhagem do Rei Davi, reinaria na cruz e não na liderança da revolta. Quem tiver ouvidos, ouça! Quem tiver olhos, leia! Graças a Deus que apesar da nossa resistência, Ele sempre levanta profetas indesejados e necessários. Pela sua misericórdia o seu povo aprende a necessidade de mudar e o quanto as escolhas ruins o afetam negativamente, aprende no amor (ao ouvir o que o Espírtio quer dizer para a Igreja) ou na dor (sofrendo pelos próprios erros), mas aprende. Cedo ou tarde, aprende.

Que o Espírito Santo amoleça nossos corações, abra nossos olhos e ouvidos para entendermos o que Deus pode estar falando para nós, especialmente por meio daqueles que menos achamos capacitados para tal. Em nome de Jesus. Amém.

Revdo. Morôni Azevedo de Vasconcellos (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil) | 09/05/2020 (Ano A)
Jeremias 26:20-24 | Salmo 31:1-5, 15-16 | João 8:48-59

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