terça-feira, 8 de setembro de 2020

08/09 Aniversário da Virgem Maria.

 







Curiosidade: Você sabia que dia 08/09 é o aniversário da Bem-aventurada Virgem Maria, sendo também uma data astrologicamente correspondente ao signo de VIRGEM? 


"Deus, que te inclinaste a elevar a humanidade caída através da criação da Bem-Aventurada Virgem Maria, garante que nós, que vimos tua glória revelada em nossa natureza humana, e teu amor aperfeiçoado em nossas fraquezas, possamos ser diariamente renovados na tua imagem e conformados ao padrão do teu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém" (Livro de Oração Comum, 2015, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil)

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Respondendo ao FRC PELE*****

Recentemente recebemos uma pergunta em nosso inbox, porém, quando fomos responder a pessoa já tinha apagado seu Facebook. Porém, creio que foi uma pergunta muito frequente e vamos aproveitar para explicar:

"UMA DUVIDA LUTERO ERA ROSACRUZ, POIS A LUTERANA TEM O SIMBOLO COMO OS DO SEU FACE?"
Não, na realidade o que aconteceu foi justamente o oposto. Os rosacruzes eram luteranos/protestantes. O movimento rosacruciano nasce como no contexto das guerras entre protestantes e católicos na Alemanha, após o imperador católico de tendência liberal/progressista ter morrido e assumido o posto um imperador de tendência reacionária que pretendia impor sua fé sobre as demais e banir aqueles estudos que na época eram muitas vezes tidos como ciência, filosofia e etc: Alquimia, Cabala, ...

O livro de referências sobre esse período é "O Iluminismo Rosa-Cruz" de Frances Yates, uma pesquisa acadêmica e desconectada dos interesses defendidos por algumas ordens. Temos também um post antigo sobre o tema que você pode ler aqui: https://pietismorosacruz.blogspot.com/2017/09/rosacrucianismo-protestantismo-e.html

O rosacrucianismo nada mais era do que um movimento protestante em defesa da liberdade religiosa e da liberdade intelectual. O Fama Fraternitatis (primeiro manifesto rosacruciano) é bem explícito nisso:
"Mas para que também todo Cristão possa saber de que Religião e crença somos, confessamos ter conhecimento de Jesus Cristo, mantido, defendido e propagado em determinados e notáveis países (como agora nestes últimos dias, e principalmente na Alemanha, ela é muitíssimo clara e puramente professada, e está atualmente limpa e isenta de todas as pessoas desviadas, heréticas e de falsos profetas). Também utilizamos dois Sacramentos, conforme são instituídos com todas as Formalidades e Cerimônias da primeira Igreja reformada."


"EU IA A ANGLICANA MAIS N ENTENDO HAVIA NA CENTRAL EM SP MISSA TEMPLARIA MAÇONICA... SE NAO ACEITAM REENCANRAÇÃO E UNITARISMO COMO PODE TER NA CATEDRAL DE SP, DUVIDAS,SAI DO LUTERANISMO POR AUSA DISTO DE  PENSAR QUE  NAO ME ACEITARIAM SÓ UMA IG EM SP QUE REV. ME ACEITOU!
PODERIA EXPLICAR?"
Vamos lá, nem a maçonaria e nem os templários possuem qualquer crença em unitarismo e reencarnação. Os templários eram estritamente católicos-romanos e ultra-radicais até em suas doutrinas, muitos "templarismos" criados em certas ordens esotéricas não possuem qualquer fundamento histórico. Apenas acharam um termo bonito e saíram jogando o que quiseram nele.

A Maçonaria é totalmente neutra em questões espirituais (salvo alguns graus de alguns ritos que são especificamente cristãos), tendo apenas uma posição: a necessidade da crença em um Ser Superior (alguns ainda somam a isso também a imortalidade da alma). Só, nada de reencarnação ou unitarismo.

Sobre o rosacrucianismo e a questão da reencarnação:
https://pietismorosacruz.blogspot.com/2018/02/rosacrucianismo-sem-reencarnacao.html


Por fim, uma boa sugestão sobre o tema:

Este livro pode ser encontrado em diversas livrarias como Amazon, Americanas, Cultura ou na editora Clube de Autores.

domingo, 17 de maio de 2020

Incenso em varetas: uma alternativa litúrgica possível?

“Que minha oração suba até vós como a fumaça do incenso” (Salmo 140:2)
Queimar elementos de origem vegetal (folhas, madeiras, resinas, etc) é uma tradição presente na história dos mais diversos povos tanto com fins terapêuticos quanto com fins religiosos. Seja o Palo Santo dos indígenas, as varetas da Índia e extremo oriente, a “defumação” afrobrasileira, ou mesmo os gregos/romanos e tantos outros povos. O povo de Deus, desde os tempos bíblicos, também tem sempre utilizado o incenso.
No tabernáculo que Deus instruiu Moisés a montar, Deus ordenou inclusive que haveria um altar dedicado a queimar o incenso diariamente: “Arão queimará incenso aromático sobre o altar todas as manhãs, quando vier cuidar das lâmpadas, e também quando acendê-las ao entardecer. Será queimado incenso continuamente perante o Senhor, pelas suas gerações.” (Êxodo 30:7-8).
O uso do incenso se sustentar como símbolo (a fumaça se eleva aos céus e portanto “carregam” as orações que também sobem aos céus), como memória de um dos presentes que Jesus ganhou (Ouro, Incenso e Mirra) dos magos do oriente, bem como o aspecto de ambientação/terapêutico (o uso de certas fragrâncias pode favorecer o relaxamento e o ambiente contemplativo de oração), sendo também a forma de nos conectarmos com Deus e nos focarmos no culto através do olfato, tal como usamos o paladar na Santa Comunhão, a audição para os hinos/escrituras/sermão, a visão para os ícones/gestos/cores litúrgicas, o tato é usado tanto no abraço da paz quanto nas orações com contas (rosários/terços).
Tradicionalmente, a igreja cristã tem usado o chamado incenso litúrgico, “grãos” de resina que são lançados sobre carvão em brasas dentro do turíbulo. Porém, essa é uma opção com custo mais elevado e que provoca muita fumaça (sendo pouco adequada para locais menores e/ou com pouca ventilação). Nesse aspecto, muitas pessoas se perguntam sobre a possibilidade de usar o incenso em varetas (padrão indiano) tão comuns em lojas de artigos religiosos, de produtos esotéricos e até em farmácias ou lojas de produtos naturais. Geralmente isso causaria horror em muitos liturgistas, porém, vou apresentar uma opinião litúrgica divergente.
No meu entender nada impede o uso do incenso em varetas na liturgia da igreja, ele é bem mais prático, econômico e adequado para o uso em pequenos espaços. Ele cumpre a função de queimar exalando a fumaça que sobe aos céus, o aroma que induz a contemplação, o foco do olfato no culto divino e ainda permite a escolha de alguns aromas específicos para reforçar o simbolismo (como o incenso com mirra) ou algum aroma mais adequado para acalmar ou focar a mente. “O perfume e o incenso alegram o coração.” (Provérbios 27:9).
No meu entender, a única razão para se negar o uso de outras formas de incenso é uma tentativa de sacralizar determinados objetos e formas culturais em detrimento de outras, o que nos levaria a perigosamente tender a uma visão do culto cristão muito engessada, “eurocêntrica” (já que se prende apenas a forma que mesmo não sendo originalmente européia acabou se firmando nela e expandindo por meio dela), quiça podendo levar a algumas pessoas do povo a beirarem a idolatria de certos objetos (como se o culto fosse menos aceitável a Deus e edificante para o povo por se usar um elemento cultural em detrimento do outro, tal como muitas vezes é feito ao se criticar o uso de músicas contemporâneas no culto).
Devemos lembrar que para o culto cristão devemos sempre pensar em primeiro lugar: Isso fere as Escrituras e “a fé uma vez confiada aos santos” (Judas 1:3)? Se não fere, já não se pode dizer que não seja possível o seu uso. Quanto a utilidade, podemos sempre pensar se de alguma forma pode contribuir para a edificação do povo de Deus. Lembrando que, algumas formas estabelecidas no passado com fins edificantes e agradáveis a Deus podem não mais se adequar para o uso em certas comunidades e não há problema algum em mudar as mesmas desde que se mantenha fiel ao que confessamos doutrinariamente. Como dito pelo 34º artigo dos históricos 39 artigos da religião publicados por nossa igreja durante a reforma: “Não é necessário que as tradições e Cerimônias sejam em toda parte as mesmas, ou totalmente semelhantes; porque em todos os tempos tem sido diversas, e podem ser alteradas segundo as diversidades dos países, tempo e costumes dos homens, contanto que nada se estabeleça contrário à Palavra de Deus.”
O uso das varetas de incenso pode servir inclusive a um propósito didático pois, apesar de não ser obrigatório o uso do incenso, algumas comunidades não estão acostumadas com o uso do incenso na liturgia e o uso de varetas (mais discretas e com menos fumaça que possa incomodar alguém), pode servir para ir acostumando aquela comunidade a um uso edificante da igreja sem ferir suas próprias tradições e hábitos.
Há de se ressalvar porém que nenhum uso que deveria ser edificante deve servir de motivo de discórdia, portanto, se não devemos nos prender a sacralização de elementos culturais, também não devemos transformar isso em contenda. Na liturgia, os elementos novos ou a remodelação de elementos antigos devem sempre ser feitos com a anuência do bispo da respectiva diocese, em comum acordo com o clero da comunidade e ouvindo o povo daquela mesma. Se seria ruim fechar as portas de uma boa oportunidade, seria pior ainda transformar ela em um cavalo de batalha desnecessário.
A paz, o amor e a concórdia do espírito de adoração são os elementos mais essenciais no culto cristão. Temos hoje pelo menos duas comunidades em nossa Diocese usando varetas e podemos estar atentos ao mover do Espírito para novas possibilidades na liturgia, como manter a tradição de forma dinâmica, de forma que ela se torne útil e relevante e não meramente algo engessado e sem jogar fora a criança com a água do batismo.
Este texto visa apenas proporcionar a reflexão nas comunidades locais sobre como usar a tradição cristã dentro de seu contexto local, inclusive para se chegar as conclusões de que o mais adequado é não alterar a mesma em nada. Assim como em algumas comunidades e/ou ocasiões será mais interessante utilizar músicas contemporâneas e em outras será mais adequado usar os hinos tradicionais. Porém, em todos os casos continuamos unidos entre nós, vivenciando a unidade na diversidade, no amor de Deus, pela Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e no poder do Espírito Santo.

Revdo. Morôni Azevedo de Vasconcellos
Rio de Janeiro, 12 de Maio de 2020.

sábado, 9 de maio de 2020

Profetas não são desejados, são necessários.

O nosso mundo tem um costume curioso, somos apaixonados pelo discurso de mudança mas, é a coisa que mais detestamos. Entre o povo de Deus não é diferente e isso é facilmente analisado quando lemos as escrituras. Seja na Bíblia ou na história da igreja, aliás é por isso que o lema Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est ao falar da necessidade da igreja reformada estar sempre se reformando não consegue sair da teoria para a prática (na maioria das vezes).

Jacob Boehme: um profeta incompreendido em sua época.
Apesar de sempre clamar por libertação, se Deus enviava a libertação logo a queixa era por não ter ficado tudo como antes. Foi assim com o povo que chorava por viver como escravo no Egito e quando Deus guia Moisés para os libertar logo começam a sentir saudades das panelas de carne do Egito.

Claro que muitas vezes o saudosismo e o apego ao que não serve mais vem disfarçado de várias formas: Moisés tentou arranjar desculpas para não falar, Jonas tentou arranjar desculpas para fugir, os judeus logo arranjaram a desculpa de Jesus esta endemoninhado, … Veja que algumas desculpas podem ter um fundamento real, sem serem mais do que desculpas como no caso de Moisés que de fato tinha um problema com a fala, outras são apenas mentiras como a dos judeus contra Jesus.

Existe uma charge famosa na qual um orador pergunta para uma platéia quem quer um mundo melhor e todos levantam as mãos, mas ao perguntar quem quer ser melhor para o mundo ninguém levanta a mão. A realidade é que mudar exige sempre uma mudança em nós mesmos, um processo de conversão e no fim das contas raramente estamos interessados nisso.


Os profetas, ou seja aqueles que aceitaram o chamado cristão para a profecia (e como o mover do Espírito não é algo limitado a uma casta ou grupo em específico), nos lembram disso e por isso são perseguidos e mortos como podemos ver nos textos de hoje.

A simples rejeição da profecia é sempre feita com discursos simplistas, o famoso argumentum ad hominem (quando se ataca ao defeitos e limites do argumentador ao invés de se questionar o argumento dele) é uma das formas mais comuns. E pasme, não faz sequer sentido para nós que somos cristãos e acreditamos no poder de Deus de usar quem ele quer, por pior que seja. Não, não...

“Não perseguimos o profeta, mas vamos rejeitar a profecia dizendo qualquer coisa que alivie nossas próprias consciências: não possui a mesma cultura, estudo, vivência, experiência, dom do que nós. Nem mesmo nos daremos conta do absurdo que é clamarmos por mudança se rejeitamos qualquer um que não esteja nos mesmos critérios e padrões que consideramos ideais”. Uma curiosa e bem discreta maneira de rejeitarmos a mudança é querermos que ela seja apenas uma mudança para como sempre foi feito e por quem sempre fez. “Talvez quando se tornar um de nós ou o que queremos possamos ouvir o que ele diz, afinal será só um eco de nossa voz e a única mudança real será no orador”.


Isso explica em partes o pensamento reacionário que infestou nosso mundo com a promessa de mudança contra mudanças, a única mudança prometida é a de voltar a fazer como sempre foi feito e com essa mudança na realidade estamos tentando impedir qualquer mudança.

Nossa sociedade é um cachorro correndo atrás do próprio rabo, ou talvez o famoso símbolo do ouroboros com a serpente que se engole, por isso a história humana se repete em ciclos (com as devidas mudanças no calendário, na tecnologia e etc). A profecia é necessária, mas nunca é desejada ou bem recebida e principalmente ela é inesperada: pode vir da boca da criança, do jumento, das pedras que clamam, pode vir de alguém detestável que Deus usou naquele momento, quase nunca vem de onde esperamos.


Ninguém esperava que o messias, da linhagem do Rei Davi, reinaria na cruz e não na liderança da revolta. Quem tiver ouvidos, ouça! Quem tiver olhos, leia! Graças a Deus que apesar da nossa resistência, Ele sempre levanta profetas indesejados e necessários. Pela sua misericórdia o seu povo aprende a necessidade de mudar e o quanto as escolhas ruins o afetam negativamente, aprende no amor (ao ouvir o que o Espírtio quer dizer para a Igreja) ou na dor (sofrendo pelos próprios erros), mas aprende. Cedo ou tarde, aprende.

Que o Espírito Santo amoleça nossos corações, abra nossos olhos e ouvidos para entendermos o que Deus pode estar falando para nós, especialmente por meio daqueles que menos achamos capacitados para tal. Em nome de Jesus. Amém.

Revdo. Morôni Azevedo de Vasconcellos (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil) | 09/05/2020 (Ano A)
Jeremias 26:20-24 | Salmo 31:1-5, 15-16 | João 8:48-59

quinta-feira, 16 de abril de 2020

VIDA E LEGADO DE JACOB BOEHME (Documentário)

VIDA E LEGADO DE JACOB BOEHME
Documentário biográfico sobre o Sapateiro de Görlitz
Produzido por Łukasz Chwałko
Traduzido por Américo Sommerman
Revisado por Chrystian Revelles

O Sapateiro de Görlitz, por Chrystian Revelles

Intuição profética. Ardor visionário. Analogias entre Deus, o Homem e o Universo. Assinaturas das Coisas. Deus como Deidade – Deus acima de Deus. O Nascimento do Deus-Filho, irrompendo como Luz no Abismo Eterno de Deus-Pai. A Dialética entre ambos – Tese e Antítese cuja Síntese, o Sétuplo Espírito Santo, é um jorro de amor tão inefável que já não pode conter-se, e por isso mesmo explode como manancial de Esplendor. Uma Catástrofe cujos estilhaços revelam a Natureza Criada, imprimindo por toda parte a Assinatura de uma Causa Ativa e Inteligente.
Pai do Idealismo Alemão de Hegel e Schelling. Um mestre para todos os Rosacruzes. Inspirador da epopeia de John Milton e do simbolismo das pinturas e poemas de William Blake; precursor da Sofiologia de Vladimir Solovyov. Tudo isso é atribuído a um simples místico e sapateiro a quem Hegel chamou "O Primeiro Filósofo Alemão". Fez até mesmo o pessimista Schopenhauer confessar – "Por que as mesmas figuras e formas que nas obras de Boehme enchem-me de admiração e espanto, nos escritos de Hegel me parecem insuportáveis e ridículas? Pois nos escritos de Boehme o conhecimento da Verdade Eterna fala a cada página".
O Sapateiro de Görlitz não anuncia abstrações frias e mortas de Teólogos. Fala de um Parto, um Engendramento. Fala do Abismo da Divindade, dos Arquétipos Regentes da Alma do Mundo. Arquétipos que assinam os planetas, feras, plantas, pedras, metais e estrelas. Não fala de um Criador separado e apartado de sua Criação, mas de uma verdadeira Divindade, uma Aurora Nascente que irrompe e se revela em todas as coisas e todos os seres – árvores, rios, bosques; na profundeza dos oceanos, na altitude das cordilheiras; no Sol, na Lua e na Sabedoria das estações. Seu Deus não é um fantasma teológico. Antes, se assemelha ao Um de Plotino, ou o Abismo de Mestre Eckhart; a Anima Mundi de Ficino e O Ilimitado dos Cabalistas.
Para quem contenta em deter-se no Reino da Multiplicidade, dos Fenômenos e da Aparência, A Obra de Boehme nada tem a oferecer. Seu conhecimento não dirige-se à frieza de nossos esquematismos mecânicos e racionais. Em vez disso, atinge-nos como um raio de lampejos e símbolos que transporta-nos ao Seio da Alma do Mundo – o Abismo Sem-Fundo mais próximo do que mãos e pés. Ele quer elevar-nos ao Reino das Causas, ao estranho nexo metafísico da natureza naturante, que une coisas aparentemente tão distantes como: Saturno, pedras, ossos e chumbo – análogas pelo elo invisível da Adstrigência. O próprio Sol visível não é senão imagem de um oculto Sol Invisível que deve brilhar em nosso Santuário Íntimo e ali lumiar a Secreta Instrução.
No meio iniciático, sua influência é absoluta. Boehme é o Apóstolo para os pansóficos, herméticos, rosacruzes e martinistas. Louis-Claude de Saint-Martin, o Filósofo Desconhecido, o declara "a maior luz que veio a este mundo, depois Daquele que era a Própria Luz". Foi profundamente estudado por Éliphas Lévi, Franz Hartmann e Stanislas de Guaita. Em Papus, vemos uma reminiscência de suas ideias nas Tabelas de Correspondências e Tricotomia do Homem e do Universo. Mesmo aqui o Brasil, nossa Amada Terra de Vera Cruz, foi alcançada por Sua Influência:
"[...]o Homem Original fragmentou-se e, desde então, saindo de sua unidade original e eterna, ele modalizou-se, passando da unidade ao número, multiplicando-se através da noite dos tempos, distanciando-se cada vez mais de sua fonte e de sua pureza. E o espírito, dardando na imensidão do espaço, como uma centelha que se desprende de um braseiro infinito, perdeu-se nesse caleidoscópio multiforme e desceu até a materialização. E, nessa descida, nessa involução progressiva, ele veio modalizando-se e vestindo-se pouco a pouco de matérias espargidas ao longo dessa trajetória imensa, para, ao longo de sua queda gigantesca, sentirse animalizado e grotesco, sujeito à Roda Fatal do Destino inexorável das próprias "vestes" que escondiam a vergonha de sua culpa.[...]"
O trecho que você leu pertence ao ensaio INICIAÇÃO, O REMÉDIO DA QUEDA do mestre maçom santamariense Ary Ilha Xavier. Em sua busca espiritual, foi à França, à Paris de Papus e Louis-Claude de Saint-Martin, lá recebendo esse conhecimento pelo qual manteve viva uma linhagem ininterrupta de Simples Irmãos.
Para a Maior Glória do Eterno,
Chrystian Revelles
C.R+
“Vida e Legado de Jacob Boehme” é o primeiro documentário biográfico sobre Jacob Boehme (1575-1624), um dos pensadores europeus mais interessantes e místico influente do esoterismo ocidental. O filme explica os elementos mais importantes dos escritos de Boehme, além de apresentar o amplo impacto que suas ideias causaram em todo o mundo. Não se esquiva de temas importantes como literatura, teologia e história da filosofia.
No início do século XVII, a Europa estava às vésperas da eclosão da maior guerra religiosa de sua história. Conflitos entre representantes de diferentes denominações religiosas limitavam a liberdade de expressão. No entanto, havia um homem cujos escritos mudaram o pensamento filosófico e teológico e exerceram uma grande influência na literatura e arte dos períodos posteriores. Este filme, realizado em 2016, apresenta a vida e o pensamento de Jacob Boehme.
"De longe, a melhor tentativa moderna de visualizar o significado do pensamento místico de Boehme". - Andrew Weeks, autor de Boehme, uma biografia intelectual do filósofo e místico do século XVII e tradutor de Aurora (1612) e Os Três Princípios da Essência Divina (1619).
"Vida e Legado de Jacob Boehme" está disponível com legenda em português. O filme está disponível online em:

quinta-feira, 2 de abril de 2020

A mística cristã e as escrituras


Palestra apresentada pelo revdo. Morôni Azevedo de Vasconcellos, no dia 07/03/2020 na Paróquia Bom Jesus (Diocese Anglicana do Rio de Janeiro - Igreja Episcopal Anglicana do Brasil)
Para entendermos a mística cristã e a sua relação com as escrituras, primeiramente precisamos entender o que é a mística ou misticismo (a eventual diferenciação entre as palavras é bem polêmica) e quais foram as influências, nem sempre tão conhecidas, de outras místicas no cristianismo.
O Judaísmo já possuia uma forte tradição mística, que não só permeia diversas correntes (sendo inclusive a base de algumas como o chassidismo), como também não é raro que faça parte do currículo de formação rabínica, sendo mais presente até do que a mística cristã nos currículos de teologia cristã. Essa mística judaica é chamada de Cabala (que pode ser traduzida por Tradição, aquilo que é recebido) e ficou tão popular a ponto de a tradicional Cabala Judaica ter dado origem a chamada Cabala Hermética (adotada por muitos grupos esotéricos), Cabala Cristã (especialmente desenvolvida no período renascentista e verdadeira febre entre protestantes alemães no período conhecido historicamente como “iluminismo rosacruz”) e até a Cabala “universalista” após o Rabino Yehuda Ashlag (O Baal Ha-Sulam) que permeia muitos grupos como Kabbalah Centre, Portal da Cabala, Kabbalah Society e outros.
O ser místico é algo que apesar de encontrar pontos de contato em todas as místicas das diversas religiões, nunca é algo uniforme e portanto na Cabala judaica encontramos diversas correntes internas (Cabala Luriânica, Cabala Toledana, Cabala Profética ou extática, etc), algo semelhante ocorre na mística cristã e nós veremos isso ao longo do estudo.
Há uma confusão muito grande quando se fala em algo místico, muitas vezes as pessoas pensam em magia, poderes psiquícos, rituais exóticos, porém a via mística também pode ser chamada de via do coração e efetivamente está muito longe disso tudo, até mesmo dos ritualismos mais elementares das religiões. Geralmente, o caminho místico perpassa um certo quietismo, uma postura introspectiva de olhar para a presença de Deus dentro de si, mas também para a contemplação de Deus em toda a sua criação. Como dizem os místicos Sufi:
Oh Deus, eu nunca ouço o grito dos animais ou o farfalhar das árvores ou o urmurejar das águas ou o chilrear de pássaros ou o vento uivante ou o urro do trovão sem senti-los como evidência de Tua unidade e prova de que nada há como tu (NICHOLSON, 2003, p. 10)
É por isso que em muitos aspectos, o misticismo é relativamente similar nas diversas tradições. Quem ao ler o trecho sufi acima não associa com o famoso cântico gospel (repleto de conteúdo místico): Quão Grande és tu (Grandioso és tu em algumas traduções). O cântico dos 3 jovens da fornalha, que cantaremos na oração de Taizé, também apresenta essa visão mística, os salmos então nem se fala: “Louvem o SENHOR, todas as suas criaturas, em todo lugar onde ele reina! Que todo o meu ser te louve, ó SENHOR!” (Salmo 103:22).
Apesar de etimologicamente a palavra mistério estar relacionada, com Nicholson (2003, p.8) apontando seu significado original como “lábios selados por mistérios sagrados, olhos fechados pelo êxtase visionário”. Uma boa formulação do termo foi dada por STEWART (2007, p. 34):
É imperativo que, primeiramente, percebamos que misticismo é simplesmente uma doutrina que afirma que o conhecimento da Unidade onipotente pode ser adquirido através da experiência direta. A experiência mística é, então, um conhecimento individual da Essência, da Fonte ou de Deus. Como resultado, o misticismo trata somente da Ontologia (o estudo da natureza do Ser). Ele não lida com projeção astral, telepatia ou qualquer outra forma de experiência psíquica.
Religião do coração, contemplação, busca interior, reconhecer a imanência de Deus tanto quanto a transcendência, são formas de se falar da experiência mística. Como diz o revdo. William Law (2017, p.24-25):
Pobre pecador! Considere o tesouro que você tem dentro de você: o Salvador do mundo, a Palavra eterna de Deus está oculta em seu ser, como uma faísca da natureza divina que acabará vencendo o pecado, morte e o inferno dentro de você para voltar a gerar em sua alma a Vida do Céu. Volte seu olhar para seu coração, e seu coração encontrará seu Salvador, seu Deus, em seu próprio interior. Você não vê, ouve nem sente nada de Deus porque busca fora com seus olhos externos; o busca no livro, em controvérsias, no templo e em exercícios exteriores, porém aí não o encontrará; Busque-o em seu coração, e nunca buscará em vão, pois aí mora, aí está a sede de sua Luz e de seu Espírito.
Breves notas sobre a história da mística cristã
Nós temos diversas místicas cristãs se desenvolvendo ao longo da sua história, os pais do deserto eram extremamente místicos em suas vidas. Na idade média vemos o desabrochar de grandes místicos da igreja nas ordens monásticas, sendo o período em que grandes místicos que vão influenciar as diversas gerações seguintes vão surgir: Raimundo Lúlio, Tomás Kempis, Francisco de Assis, Bento de Núrsia, etc.
Com a separação da Igreja do Oriente e do Ocidente, é notável que a Igreja do Oriente ficou bem mais mística em suas concepções e ritos enquanto a Igreja do Ocidente se tornou bem mais racional/filosófica (Aliás, o conflito/dialética entre filosofia racional x mística já remonta o judaísmo com Maimônides e outros filósofos x Moshe Cordovero e outros cabalistas)
Então, no renascimento, a Igreja do ocidente se rompe novamente com o surgimento do protestantismo. O misticismo florecerá abundantemente em ambas, com a retomada não só dos clássicos gregos, mas também a cabala judaica permeará por grandes nomes católicos (Pico Della Mirandola, Reuchlin, ...) e protestantes (Andreas, John Dee, Boehme, Francis Bacon, …). O próprio Martinho Lutero foi um homem profundamente místico, como era de se esperar por sua formação monástica.
O luterano Jacob Boehme foi uma grande influência para o clérigo anglicano, revdo. William Law, e para os pietistas alemães (especialmente os pietistas mais radicais). Por sua vez, tanto o pietismo alemão (através da Igreja Morávia) quanto o Revdo. William Law foram decisivos na formação do revdo. John Wesley, que por sua vez, iniciou o movimento metodista (não a Igreja Metodista, pois Wesley se manteve anglicano até o fim e pretendia com o movimento metodista despertar essa espiritualidade profunda no anglicanismo da época), que por sua vez foi de grande influência para os pentecostais. O pentecostalismo clássico, possui em suas raízes um forte misticismo não é atoa.
Ilustração: Vasconcellos (2017, p. 78)
Boehme também foi influência decisiva em outros movimentos como no rosacrucianismo, martinismo e outros grupos místicos de origem cristã, embora hoje tenham seus títulos usados por grupos que se desconectaram do cristianismo.

Voltando um pouco no pietismo, esse movimento alemão foi um movimento multiforme que nasceu como uma tentativa de resgatar essa mística cristã, mesmo que nem sempre usasse esse nome. A sua versão inglesa é o metodismo. Não era um movimento anti-intelectual, mas recusava a religião meramente formal e a ideia de que a teologia se baseia não na busca pela doutrina mais perfeita e sim pela vivência real do amor de Cristo. “Demonstramos ser cristãos e teólogos muito mais através da fé, da vida santa e do amor a Deus e ao próximo, do que através da astúcia e das sutilezas das polêmicas.” (SPENER, 1996, p. 114). Uma curiosa “contradição” é que é inegável em como os pietistas eram zelosos em suas vidas, por outro lado, não raro alertavam para o risco da soberba, do se encher demais pelo rigorismo doutrinário ou por involutariamente cair na salvação pelas obras e portanto a fé só era possível se nos entregarmos a Deus.
No anglicanismo, foi criado um método de investigação das verdades religiosas chamados de Tripé de Hooker, em homenagem ao seu criador o revdo. Richard Hooker. O tripé e formado por Escritura, Tradição e Razão. Note que Tradição aí são os escritos dos grandes cristãos do passado, não podemos deixar de lembrar que uma possível tradução para Cabala seria tradição e de fato a mística cristã está muito presente nos escritos dos grandes santos. Porém, o rev. John Wesley ampliou o tripé, o Quadrilátero Wesleyano passa a incluir a experiência que nada mais é do que a experiência pessoal com Deus ou, mais ainda, a experiência mística.

Leitura mística
Swedenborg (2008) falará de 4 estilos da escritura, sendo o primeiro o espiritual, o segundo o sentido histórico, o terceiro profético e o quarto sendo o usado pelos salmos de Davi (que fica entre os dois anteriores e que trata da pessoa interior). O autor ainda atribui ao desconhecimento do sentido espiritual a falta de compreensão sobre o Apocalipse e outros textos das escrituras. Sobre o primeiro, o espiritual ele diz nas páginas 69 e 70:
Em geral, no Verbo, há quatro estilos diferentes. O primeiro era empregado na Igreja mais antiga. Sua maneira de se expressar era tal que, quando mencionavam coisas terrenas e mundanas, pensavam nas coisas representativas, mas as combinavam numa espécie de séries históricas para lhes atribuir mais interesse e animação. [...] Estas coisas representativas em Davi se chamam enigmas da antiguidade” (Sl 78.2). Moisés possuia os enigmas sobre a criação, o jardim do Éden etc., até o tempo de Abraão, descendentes da Igreja mais antiga.
Um exemplo disso é quando pensamos na história do povo hebreu escravo do Faraó no Egito, ela pode ser entendida no segundo sentido (histórico) lembrando a situação de opressão que o povo vivia nas mãos de um rei e uma sociedade opressora, precisando da libertação e essa é bem lembrada pela Teologia da Libertação. Pode nos lembrar do sentido profético sobre a denúncia dos males cometidos pelo Egito (e cometidos até hoje em tanto povos) mas apontando a libertação futura para a qual o messias conduziria o seu rebanho, nos salmos há uma mistura de elementos históricos e espirituais. Porém, o Egito pode se entendido de forma espiritual, como uma realidade interior também e não apenas uma realidade exterior.
O primeiro nível de realidade chama-se EGITO. Na língua hebraica, original do texto bíblico, a palavra Egito é lida como Miztraim, que pode ser traduzida como estreitamento. Essa é aa dimensão da escravidão, na qual você não consegue ampliar a sua consciência por ficar aprisionado pela visão do aparente. (MECLER, 2007, p.119)
Outro exemplo de como o místico olha as escrituras é a famosa passagem da luta entre Jacó e o Anjo. Em um entendimento místico, ali vemos não uma luta real com um anjo, mas a contemplação e oração, a busca pela proximidade tão intensa com Deus que se está embolado como numa luta, ao mesmo tempo que uma verdadeira luta interna se desenrola em nós. Todos os elementos da criatura são entendidos como ocorrendo dentro de nós:
Não há nenhum inferno situado em algum lugar remoto, nenhum demônio que esteja separado de você, nenhuma escuridão ou dor que não esteja dentro de você, nenhum Anticristo em Roma nem na Inglaterra, nenhuma fera furiosa, nenhum dragão de fogo fora ou à parte de você, que possam fazer dano algum em você. Faça morrer este eu, esta natureza interna, e então haverá vencido todos os inimigos exteriores. (LAW, 2017, p. 61)
Os místicos muitas vezes entendem o mal e seus demônios como criaturas de Deus que, porém, não quiseram receber a luz e misericórdia de Deus, ficando apenas nas sombras do contraste criado para que se enxergue a luz. Boehme considerará que Lucífer por inveja não quis aceitar a luz e amor de Cristo, ficando apenas no Sem Fundo e rigor do Pai, portanto ele está na lei e no julgamento e não na graça.
Nenhuma das virtudes e nenhum dos atributos divinos podem ser isolados e idolatrados. Apenas o equilíbrio de sua reunião representa a perfeição. Como tal, nem a verdade – sozinha – é um critério absoluto. Lendo Lutero (De Servo Arbítrio) convenço-me ainda mais disto e lembra-me o aforismo de Pascal: “Até da verdade podes fazer um ídolo, pois que a verdade sem amor não é Deus, mas figura dele, e ao ídolo não convém amares nem te prostrates (STEINHARDT, 2009, p.375)
Os judeus cabalistas vão reconhecer que o Julgamento e a Misericóridia são divinos, porém quando se usa do julgamento sem a misericórdia se gera o mau. Por isso, é importante que para lermos as escrituras tentemos nos revestir do amor de Cristo, amar como Ele ama (o mandamento que Ele nos deixou). A letra mata e o espírito vivifica, se lermos a Bíblia sem amor, teremos uma interpretação diabólica (e o diabo usou a letra das escrituras para tentar Jesus, que com amor teve a plena compreensão do ensinamento):
Se estiver no amor de Deus, contemplará e sentirá Deus no amor. Porém, se tiver aprisionado a si mesmo na cólera de Deus, só poderá contemplar Deus na Natureza colérica, só poderá percebê-Lo como um espírito irado e vingativo. E se está no amor de Deus, todos os lugares são iguais para ele; se não está nesse amor de Deus, todos os lugares são iguais para ele; se não está nesse amor, todo lugar é um inferno para ele. (BOEHME, 2011, p.111)
A mística, a interpretação profunda, geralmente vinha para explicar aquilo que não era muito claro, ou para dar uma razão para o que não possuia. Os judeus por exemplo, possuiam mandamentos completamente racionais e fáceis de compreender o motivos de sua existência, porém, outros mandamentos não possuiam qualquer explicação razoável, portanto cabia aos místicos buscarem uma justificativa para tal. Um exemplo é o da circuncisão, o qual os judeus que associavam o pênis com a sefira de Iessod, entendiam que o prepúcio era uma espécie de casca (e as cascas são vistas como algo ruim na tradição mística judaica, algo que impede que a verdade apareça). Portanto, retirar a casca (prepúcio) é fazer o órgão (e a sefira associada a ele) revelar sua plenitude espiritual.
A luta em vida dos mestres (Tsadikim) é a de liberar a vitalidade contina nas centelhas aprisionadas em meio a carapaças (cascas/klipot) que atrapalham o fluxo de recebimentos. Seu esforço é de liberar apenas energias vitais maduiras, numa troca ou recebimento sadio. […] Em certos grupos, este conceito bíblico é aplicado para explicar as razões místicas para a circuncisão. O prepúcio, removido pelos judeus através da circuncisão, é uma membrana que envolve o pênis e que também tem o nome de orlá. Oara estes grupos, tal coincidência não é casual, visto que consideram o pênis como o veículo de um dos maiores segredos de concentração vital desta dimensão – o sêmen. (BONDER, 2010, p. 35)
A ideia de que algo não é dito nas escrituras (ou nos escritos dos grandes santos) sem razão é jusatamente o impulso para a busca da razão naquilo que não demonstra ter e que com a mera especulação ou investigação intelectual não é possível compreender. Os cristãos, como outros místicos, buscaram na humildade e no cultivo interior (no cultivo do coração) compreender pela fé e pela experiência direta com Deus, aquilo que a mente não conseguia:
De vários modos nos fala Deus, sem acepção de pessoas. A nossa curiosidade nos embaraça, muitas vezes, na leitura das escrituras, porque queremos compreender e discutir o que se devia passar singelamente. Se queres tirar proveito, lê com humildade, simplicidade e fé, sem cuidar jamais do renome de letrado. Pergunta de Boa Vontade e ouve calado as palavras dos santos; nem te desagradem as sentenças dos velhos, porque eles não falam sem razão. (KEMPIS, 2011, p.28)
Porém, mais do que mero legitimador, a experiência mística é um chamado a mergulhar de com o corpo inteiro e sentir, experimentar realmente as escrituras de uma forma que não é possível com a mera racionalidade ou com a fé e obediência cegas, é pensar com a poesia do coração. A experiência mística alguns chamam de iniciação rara, ou simplesmente conversão. A iniciação cristã se dá com o batismo e se “conclui” com a confirmação/crisma nas igrejas litúrgicas , porém se ali você se torna “formalmente cristão” é no contato místico que há a iniciação mais profunda.
A iniciação rara é o objetivo que todos nós deveríamos ter, é quando a iniciação também se torna em conversão. É o estalo do Espírito Santo em nós, nos transformando. Temos muitas iniciações raras na história cristã: São Thomas Becket, um nobre devasso que foi escolhido pelo rei Henrique II para se tornar Arcebispo de Cantuária (principal bispo da Inglaterra) e que ao ser ordenado mudou radicalmente de vida, se tornou um cristão piedoso e penitente, criou inimizade com o rei e foi assassinado por ele. A ordenação de Becket foi uma iniciação rara. O rev. John Wesley já era clérigo anglicano, já havia participado de trabalhos missionários, mas só quando esteve em uma reunião da Igreja Morávia é que sentiu o seu coração aquecido e foi transformado pelo Espírito Santo, a iniciação rara de Wesley (2009) ocorreu ali no momento em que ouvia as explicações de Lutero sobre a carta de São Paulo aos Romanos. (VASCONCELLOS, 2017, p. 31-32)

A mística está mais próxima do que imaginamos.
É curioso que muitas vezes, até aquele que não se identifica com uma visão mística, invariavelmente recorre a ela sem perceber. Já citei alguns cânticos famosos cheios de conteúdo místico (contemplação de Deus na criação, presença de Deus no interior, compreender as escrituras para além da letra), mas até na leitura das escrituras. Quem nunca ouviu a interpretação corrente na maioria das igrejas de que o livro do Cântico dos Cânticos (Cantares de Salomão) está apresentando, por meio de metáforas, a relação entre Cristo/Deus e a Igreja? Ora, se fossemos interpretar as escrituras apenas no caso histórico deveríamos interpretar realmente com exaltação da sexualidade conjugal, o que não nego, mas é bem rara entre os cristãos esse aspecto histórico. Quando conveniente, se joga toda a contextualização e meditação no lixo e se apela para, por exemplo, a visão dos fundamentalistas sobre Sodoma e Gomorra (inclusive ignorando outros textos bíblicos que demonstram que nada tinha a ver com sexualidade e sim como a opressão e os maus tratos aos estrangeiros).
A sacralização da sexualidade, recorrente entre vários tipos de místicos, que se manifesta de duas formas: Pela busca sexual (por vezes descambando para uma idolatria ao sexo como vemos em alguns cultos supostamente tântricos e algumas organizações esotéricas que descambam para a magia sexual, nada novo, cultos sexuais eram comuns na cultura greco-romana pagã) ou pela sacralização tão intensa que se torna celibato ou a prática sexual se torna extremamente regrada, com o medo de profanar a mesma.
Quantas vezes tem algo nas escrituras que não conseguimos entender e precisamos refletir sobre, mais ainda, buscar que Deus nos responda aquilo que não entendemos? “Oh! Como eu amo a tua Lei! Nela medito o dia inteiro.” (Salmo 119:97), “Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite.” (Salmos 1:2). Meditar, precisamos criar o hábito de meditar. Porém, sobre a meditação que é uma prática tão multiforme, precisaremos de um outro encontro. Por enquanto, vamos experimentar uma prática meditativa no culto com cânticos de Taizé e teremos um momento para refletir nas escrituras silenciosamente.
O número das visualizações meditativas possíveis está limitado apenas pela imaginação da pessoa. O livro de Salmos, na Bíblia, tem fornecido temas ricos para contemplação há milênios. \no cristianismo ortodoxo, os ícones têm sido objeto de meditação. As histórias de Jesus, dos santos ou de pessoas excepcionalmente boas fornecem um foco não visual, mas mentalmente vivido para contemplação. (FRANKIEL, 2009 , p.172)
Em nosso culto de Taizé teremos imagens não para adoração, mas para foco mental (ícones, velas, cores litúrgicas e etc) nos facilita entrarmos nas escrituras e prepara a atmosfera meditativa, o incenso também nos ajuda a focar o olfato, as histórias de santos (e hoje é dia das mártires Felicidade e Perpétua) ajudam a mente, os cantos e ouvir as escrituras focam a audição e quando a comunhão é servida usamos nosso paladar na devoção, o tato é usado no abraço da paz.

Referências:
BOEHME, Jacob. A Sabedoria Divina. 3 ed. São Paulo: Attar. 2011. 146 p.
BONDER, Nilton. A Cabala da Comida. 1 ed. Rio de Janeiro: Rocco. 2010. 142 p.
FRANKIEL, Tamar. Cabala: uma breve introdução para cristãos. 1 ed. São Paulo: Pensamento. 2009. 142 p.
KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. 1 ed. Petrópolis: Vozes. 2011. 264 p.
LAW, William. O Espírito de Oração. 1 ed. Maceió: Sal Cultural. 2017. 97 p.
MECLER, Ian. Cabala e a Arte de ser Feliz. 1 ed. Rio de Janeiro: Sextante. 2007. 137 p.
NICHOLSON, Reynold A. Os Místicos do Islã. 1 ed. Rio de Janeiro: Madras. 2003. 117 p.
SPENER, Philip Jacob. Mudança para o Futuro – Pia Desideria. 1 ed. Curitiba: Encontrão Editora. 1996. 123 p.
STEINHARDT, Nicolae. O Diário da Felicidade. 1 ed. São Paulo: É Realizações. 2009. 534 p.
STEWART, Gary Lee. Atitude Desperta. 1 ed. São Paulo: OMCE. 2007. 147 p.
SWEDENBORG, Emanuel. Arcana Coelestia e Apocalispsis Revelata. 1 ed. São Paulo: Hedra, 2008. 172 p.
VASCONCELLOS, Morôni Azevedo de. A Cruz, O Esquadro e o Compasso: A Fraternidade Cristã Chamada Maçonaria. 1 ed. Joinville: Clube de Autores. 2017. 156 p.

quarta-feira, 11 de março de 2020

Cordel sobre a mística cristã

Cordel sobre os assuntos tratados no encontro de mística cristã e sua relação com as escrituras, realizado na Paróquia Anglicana Bom Jesus (DARJ/IEAB), feito pela nossa irmã Claudia Maria Azevedo de Vasconcellos:
1
Sobre relação entre Misticismo e Escritura
Vamos juntos agora pensar
Se na Escritura lemos palavras
Na Mística, há introspecção do olhar
E assim mesmo em diferentes religiões
Essa essência mística vai se encontrar
2
Chamado Caminho do Coração
Nesse quietismo vai mergulhar
Mas não é fé e obediência cega
É a Presença Divina experimentar
É além daquilo que a racionalidade
Poderá nos proporcionar
3
É uma experiência da Unidade
É o encontro da Essência
Que está em toda parte
Reconhecendo Sua imanência
Mas também reconhecê-Lo
Quanto à Sua transcendência
4
A religião meramente formal
Esse movimento vai recusar*
O movimento alemão, Pietismo
A mística cristã quis resgatar
Metodismo foi o nome
Que na Inglaterra vai se chamar
5
Por isso não é a doutrina perfeita
Que sua Teologia vai buscar
Mas quer o amor do Cristo
Em si mesmo vivenciar
Dizendo não ao rigor doutrinário
Mas nunca deixar de por si zelar
6
Assim o risco da soberba
Será afastado do coração
Sabendo que não é por nossa obra
Que se alcança a salvação
Mas por uma entrega sincera
Que não oculta intenção
7
Pois para a leitura da Bíblia
Não ser diabólica interpretação
É preciso se revestir do Cristo
E assim ser um verdadeiro cristão
Pois até o diabo sabe a Escritura**
Mas só Jesus tem a sua compreensão
8
Na Escritura o sentido
Histórico e profético vai ter
Mas é seu sentido espiritual***
Que pode nos envolver
Mudando até a maneira
De pensar e de viver
9
Para investigar as verdades religiosas
O Triplé de Hooker é usado
Esse é o método do anglicanismo:
Escritura, Tradição e Razão baseado
Mas a partir de John Wesley
Esse triplé foi ampliado
10
O Quadrilátero Wesleyano
A experiência de Deus vai incluir
Essa é a experiência mística
De no próprio peito se sentir
A Doce Presença e deixar
Que sua vida possa Ela conduzir!
* “Até da verdade podes fazer um ídolo, pois que a verdade sem amor não é Deus, mas figura Dele, e ao ídolo não convém amares e nem te prostrastes.” (STEINHARDT, 2009)
** Quando Jesus é tentado no deserto
*** É assim quando pensamos na história do povo hebreu no Egito e também na luta entre Jacó e o Anjo
*** Se estiver no amor de Deus, contemplará e sentirá Deus no amor. Porém se estiver aprisionado a si mesmo na cólera de Deus, só poderá contemplar Deus na natureza colérica...”(BOEHME,2011)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

William Law e o Monaquismo na Igreja Anglicana

Como falamos em outros posts, o revdo. William Law foi um clérigo anglicano que foi discípulo de Jacob Boehme. Compartilhamos este texto, anteriormente compartilhado pela Ordem Anglicana de São Bento e que de antemão identificamos um problema (não sabemos dizer se do original ou da tradução), pois William Law (1686-1761) não foi influenciado por revdo. John Wesley (1703-1791) e sim ele(Law)  que influenciou o famoso pai do metodismo (Wesley).

Segue o texto: https://pt.slideshare.net/lamprofiro/william-law-e-o-monaquismo-na-igreja-anglicana-90453473