terça-feira, 8 de agosto de 2017

Caminho iniciático para cristãos?

Normalmente ouvimos falar do quanto o caminho iniciático e a participação em ordens iniciáticas seriam impróprias para cristãos. Essa afirmação é se fundamenta em dois tipo de ignorância: 1) A ignorância dos que falam sem conhecer (independente de se os motivos são justos ou não). 2) A ignorância dos membros das ordens iniciáticas que, desconhecendo as origens e ensinamentos originais de suas ordens, propagam todo o tipo de equívocos (que serviram para alimentar o outro tipo de ignorância citado).

Existem diversas correntes/movimentos/ordens iniciáticas, de fato nem todas possuem um caráter compatível com o cristianismo. Porém, 3 ordens (ou ramos) são mais conhecidas e serão objeto de nossa apreciação neste espaço: Maçonaria, Rosacrucianismo e Martinismo.

A maçonaria é a mais conhecida e mais difamada. Curiosamente, nem sempre foi assim. A Maçonaria é ainda um fenômeno típico de países protestantes (Reino Unido, Estados Unidos, Suécia, ...) e sua formação evangélica foi muito forte, o que não excluí uma presença considerável em países católicos (França, Portugal, Brasil, ...) porém, nesses países, a Maçonaria tomou uma cara bem diferenciada em função da perseguição da religião majoritária e ou seguiu uma linha anticlerical/ateística ou seguiu uma linha mais esotérica. Porém, seu fundamento é totalmente cristão e sua história se confunde com a história dos países protestantes (especialmente os anglo-saxões). 

Evidentemente, seria impossível refutar cada mentira sobre esta sociedade que recebeu tantos clérigos e retira seus ensinamentos das histórias bíblicas. Portanto recomendamos os seguintes livros: "Maçonaria e Cristianismo" escrito pelo Rev. Jorge Buarque Lira (presbiteriano); "Um Pouco Mais Sobre os Graus de Cavaleiro Templário e de Malta" do Rev. Neville Barker Cryer (anglicano) e o mais recente livro de minha autoria que aborda de forma bem específica este tema (abordando também a questão rosacruciana e martinista): "A Cruz, o Esquadro e o Compasso".

https://www.clubedeautores.com.br/book/238455--A_Cruz_o_Esquadro_e_o_Compasso?topic=teologia#.WYnOBFxSzIU

O martinismo dispensa maiores comentários, tem uma origem bem maçônica (especialmente nos Elus-Cohen), passando para o desgosto com o ritualismo experimentado por Louis Claude de Saint-Martin e chegando finalmente na organização atual da ordem conforme Papus, resgatando muito do ritual maçônico (de forma bem mais branda, é verdade), tornando ela uma espécie de "maçonaria mística cristã".

Para entender o martinismo, o ideal é ir nas fontes: Os livros de Louis Claude de Saint-Martin e também alguma coisa de Papus (especialmente o livro Martinismo, Martinezismo, Willermozismo e Franco-Maçonaria que é possível baixar gratuitamente em nossa biblioteca). Livros de Martinez de Pasqually e Willermoz podem ser bem úteis, cabendo as devidas ressalvas.

O rosacrucianismo, por sua vez, é talvez o mais incompreendido. Começando pelo fato de que as ordens ditas rosacruzes na realidade são, geralmente, neorosacruzes e misturam princípios rosacrucianos com outros sistemas iniciáticos (gnosticismo, maçonismo, ...), não é atoa que se formos comparar o rosacrucianismo histórico e o das ordens atuais, aparentemente falamos de dois movimentos bem distintos. O rosacrucianismo original era formado por entusiastas (por vezes radicais) do protestantismo que também estavam interessados nas ciências da época (entendendo na época alquimia e astrologia como ciências), enquanto hoje muitas ordens rosacrucianas esquecem o cristianismo ou o associam obrigatoriamente com gnosticismo e outras vertentes. Não há problema algum em você aproveitar coisas interessantes de vários sistemas, o problema é que o rosacrucianismo original simplesmente "desapareceu".

Este blog se chama pietismo rosa-cruz justamente por entender que o movimento pietista (que buscava uma renovação do cristianismo voltada a manutenção da ortodoxia doutrinária, sem perder o entusiasmo por entender o mundo de forma mística) está estreitamente relacionado com o rosacrucianismo (inclusive grandes nomes de um movimento foram pertencentes ao outro como Kelpius, George Rapp e não podemos esquecer de Comenius que foi bispo da Igreja Morávia que viria a se tornar uma importante igreja pietista com Zinzendorf). Nada de Egito e outras tantas origens dadas pelas diversas ordens (que servem como ótimos mitos fundadores, porém não podem ser confundidos com verdades históricas).

Sobre o rosacrucianismo a nossa sugestão é o livro acadêmico de Frances Yates (O Iluminismo Rosa-Cruz), os 3 manifestos rosa-cruzes (disponíveis em nossa bibilioteca), o livro de Comenius chamado "O único necessário" (também disponível em nossa biblioteca). Os materiais das ordens são recomendados para entender o que AQUELA ORDEM entende sobre o rosacrucianismo e como ela se apropria do mesmo, porém não será exatamente o rosacrucianismo histórico que está difuso hoje em diversos buscadores.



Lendo livros como os recomendados, buscando entender as origens das ordens, já se torna impossível manter-se com os preconceitos contra o caminho iniciático para os cristãos. Mas, ainda alguns poderiam perguntar se a Igreja não seria suficiente e a resposta é: Talvez. Nas diversas igrejas cristãs sempre houveram grupos menores que compartilhavam de determinado carisma (modo de viver a espiritualidade): sociedades (ex.: as sociedades metodistas e os colégios de piedade), ordens religiosas (ex.: franciscanos, dominicanos, beneditinos, jesuítas), irmandades, movimentos (ex.: renovação carismática), etc. Portanto, as ordens iniciáticas não funcionam de forma diferente e ainda algumas delas aceitam membros não-cristãos vivendo sob princípios do Evangelho, algo que é bastante proveitoso para todos.

Alguns ainda poderiam questionar os segredos, o que geralmente não passa de certos códigos de reconhecimento. Outros ainda podem questionar se a iniciação não seria algo pouco cristão, eu digo o contrário. O cristianismo é uma religião iniciática, o batismo é o rito iniciático cristão por excelência. Toda a iniciação, para um cristão, é derivada dessa iniciação. É uma reafirmação do batismo e um novo comprometimento com o Reino de Deus.

As ordens religiosas, irmandades e etc também possuem ritos nos quais se fazem votos de compromisso com a vida cristã, sendo portanto iniciações tais quais as das nossas ordens. Além do mais, a verdadeira iniciação é aquela que ocorre na metanoia/conversão, os ritos iniciáticos buscam despertar na pessoa essa mudança mas, o efeito só ocorrerá quando a pessoa for tocada pelo Espírito Santo e transformada realmente. Portanto, seja o batismo ou a iniciação em uma ordem, terão pouco valor se não levarem a uma mudança real de vida, ou nas palavras de Frank Sherman Land (fundador da Ordem DeMolay): Seriam fórmulas vazias.

Em nossa biblioteca, possuímos alguns textos interessantes de Gary Lee Stewart (ex-imperator da AMORC e atual imperator da CR+C) sobre a iniciação e que merecem ser lidos, mesmo que eventualmente você não concorde integralmente com eles.

Este post não encerra o assunto, apenas inicia. Estou a disposição para debatermos nos comentários.

Pax

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