quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Uma interpretação bíblica do baralho - Diocese de Toledo

Um jovem soldado estava sozinho em seu barracão em uma manhã de domingo. Estava quieto naquele dia, as armas e morteiros, por algum motivo, não fizeram barulho. O jovem soldado sabia que era domingo, o mais santo dia da semana. Enquanto ele estava sentado lá, ele pegou um velho baralho de cartas e colocou-o no beliche.
Nesse momento, o sargento entrou e perguntou: "Por que você não está com o resto do pelotão?"
respondeu: “Pensei em ficar para trás e passar algum tempo com o Senhor.”
O Sargent disse: "parece que você vai jogar cartas. "

O soldado disse: “Não, senhor, veja você, já que não temos permissão para ter Bíblias ou outros livros espirituais neste país, decidi conversar com o Senhor estudando esse baralho de cartas. ”O sargento perguntou em descrença: "Como você fará isso?"
O soldado respondeu: "Bem, sargento ...
O ás nos lembra que existe apenas um Deus verdadeiro.
O Dois representa as duas partes da Bíblia, Antigo e Novo Testamento.
O Três representa a Trindade - o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O Quatro representa os quatro escritores do evangelho: Mateus, Marcos, Lucas e João.
O Cinco é para as cinco virgens; havia dez, mas apenas cinco foram glorificadas.
O Seis é pelos seis dias que Deus levou para criar os Céus e a Terra.
O Sete é para o dia em que Deus descansou depois de trabalhar seis dias.
Oito é para Noé e sua esposa, seus três filhos e esposas, que Deus salvou do dilúvio que cobriu a terra.
O nove lembra os nove leprosos que Jesus purificou da lepra; ele limpou dez, mas nove nunca agradeceram.
O Dez representa os Dez Mandamentos que Deus entregou a Moisés em tábuas de pedra.
O Valete é um lembrete de Satanás. Um dos primeiros anjos de Deus, mas ele foi expulso do céu por seus caminhos astutos e perversos, sendo agora o Coringa do inferno eterno.
A rainha representa a Virgem Maria.
O Rei representa Jesus, pois ele é o Rei de todos os Reis.


Há um total de 52 cartas em um baralho, cada uma representa uma semana, 52 semanas a cada ano para oferecer oração e ação de graças.
Os quatro naipes, paus, espadas, copas e diamantes representam os quatro estações: primavera, verão, outono e inverno, cada um sinal visível da presença de Deus esplendor.
Cada naipe tem treze cartas, a quantidade de semanas em cada temporada.
Então, quando eu quero falar com Deus e agradecer a ele, eu simplesmente puxo esse velho baralho
de cartas e isso me lembra tudo pelo que tenho que agradecer.”

O Sargent ficou parado ali e depois de um minuto, com lágrimas nos olhos e dor no coração, ele disse: “Soldado, pode me emprestar esse baralho de cartas?"

Traduzido de um texto da Diocese de Toledo (Católica-Romana), em Ohio (EUA), pelo revdo. Morôni Azevedo de Vasconcellos.


terça-feira, 3 de dezembro de 2019

O Dia Nacional de Ação de Graças

O Dia Nacional de Ação de Graças
É muito comum ouvirmos falar em filmes e séries americanos sobre o “Dia de Ação de Graças”, porém pouco sabemos dele e menos ainda sabemos que é uma data CÍVICA brasileira, pouco difundida e que possui um significado muito importante para os dias atuais:
A idéia de transformar o "Dia de Ação de Graças" em acontecimento unversal nasceu de um brasileiro, Joaquim Nabuco, quando Embaixador do Brasil em Washington.

Em 1909, na Catedral de São Patrício, ao final da primeira Missa Pan-Americana, que celebrava o "Dia de Ação de Graças", o Embaixador brasileiro formulou publicamente o seguinte voto: "Eu quisera que toda a humanidade se unisse, no mesmo dia, para um agradecimento universal a Deus".

O diplomata brasileiro soube expressar em sua idéia todo o conhecimento que tinha sobre a população de seu país, baseado em seu passado histórico, firmando sempre, desde as origens, nas tradições cristãs do respeito à liberdade e aos direitos humanos, na proibição constitucional das guerras, na busca de solução dos conflitos sem derramamento de sangue, enfim, um país voltado para a paz.

No Brasil, o "Dia Nacional de Ação de Graças" foi instituído por meio da Lei nº 781, de 17 de agosto de 1949, pelo presidente Eurico Gaspar Dutra.*
Atualmente, o Dia de Ação de Graças praticamente foi esquecido no Brasil, sendo lembrado basicamente em algumas igrejas que contaram com grande presença de missionários norte-americanos (anglicanos**, presbiterianos, batistas, …). Até mesmo a Black Friday (dia de grandes promoções nas lojas para queimar o estoque de Ação de Graças e abrir caminho para as vendas de Natal) se popularizou no Brasil e o Dia de Ação de Graças não.
Sabendo da importância do sentimento de gratidão, da necessidade de sermos gratos ao SADU pelas bençãos derramadas em nossas vidas, bem como sermos gratos uns aos outros pois todos os seres humanos não são capazes de sobreviver sozinhos, precisamos sempre do apoio uns dos outros (nossas vestes, nossas casas, nossa eletricidade, nosso alimento, nossa segurança, ... são garantidas por inúmeras pessoas que nem conhecemos), dependemos na natureza também (mesmo que o homem urbano tenha se esquecido disso, o homem do campo sabe a importância do regime de chuvas, das questões climáticas e etc).
Muitos psicólogos recomendam que se trabalhe a valorização da vida, considerando os crescentes casos de depressão, automutilação e suicídio. Recordarmos o sentimentos de gratidão, recordarmos os inúmeros motivos para agradecer e que muitas vezes nem percebemos é extremamente necessário, sendo uma necessidade não apenas no campo da ética/moral ou da espiritualidade, mas também uma necessidade de saúde pública.























O famoso quadro “Mãos em Oração” possui uma bela história de gratidão e foi adotado como símbolo do Comitê de Resgate do Dia de Ação de graças.
“Por volta de 1490, dois jovens amigos, Albrecht Dürer e Franz Knigstein, queriam ser artistas, mas estavam enfrentando muitas dificuldades. Por serem pobres, eles trabalhavam para sustentar-se, enquanto aprendiam a pintar quadros.

O trabalho tomava grande parte do tempo deles e, por conseguinte, o progresso nos estudos era lento. Um dia, chegaram a um acordo: tirariam a sorte, e aquele que perdesse trabalharia para sustentar os estudos do outro. Albrecht foi o vencedor e continuou a estudar, enquanto Franz trabalhava em um serviço pesado. Pelo acordo, quando Albrecht se tornasse famoso, sustentaria Franz nos estudos.
Albrecht partiu para as cidades da Europa para concluir os estudos. Hoje, o mundo todo sabe que ele não tinha apenas talento; era um gênio. Quando ficou famoso, ele voltou para cumprir sua parte no acordo com Franz. Logo a seguir, porém, Albrecht constatou o preço enorme que Franz havia pago. Por ter trabalhado com as mãos executando tarefas pesadas para sustentar o amigo, Franz ficou com os dedos rígidos e tortos. Suas mãos, antes esguias e sensíveis, estavam arruinadas para sempre. Ele não podia mais realizar as delicadas pinceladas necessárias para produzir uma bela pintura. Apesar de não poder concretizar seus sonhos artísticos, ele não se tornou uma pessoa amargurada. Ao contrário, alegrou-se com o sucesso do amigo.
Um dia, Dürer encontrou Franz casualmente e o viu ajoelhado, com as mãos retorcidas em atitude de oração, suplicando silenciosamente pelo sucesso do amigo, embora ele próprio não pudesse mais ser um artista. Albrecht Dürer, o grande gênio, fez um esboço rápido das mãos de seu fiel amigo e, mais tarde, completou a magnífica obra-prima conhecida como As mãos em Oração.” ***
Referências:
** Livro de Oração Comum (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil)
*** https://radio93.com.br/eraumavez/a-historia-das-maos-em-oracao/


Trabalho apresentado na Loja Maçônica Fé, Esperança e Caridade - 4344 (GOB-RJ), no dia 28/11/19 (Ação de Graças).

domingo, 27 de outubro de 2019

A mística como chave para a resolução dos conflitos sobre gênero na Teologia.

A mística como chave para a resolução dos conflitos sobre gênero na Teologia.
Revdo. Morôni Azevedo de Vasconcellos (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil)
Quando lemos o relato da criação no Gênesis, é importante fazermos algumas considerações sobre Adão. Primeiro que para o próprio judeu, Adão e Eva não eram seres individuais e sim a representação da coletividade humana (a palavra Adão em hebraico quer dizer simplesmente Homem e não um nome de alguém). Independente disso, os antigos judeus já falavam que o primeiro Adão foi criado andrógeno, ou seja homem e mulher (Gênesis 1:27), por isso que Deus criou a humanidade a sua imagem e semelhança, pois ele não é nem homem e nem mulher.
Ele estava no paraíso e o fruto paradisíaco crescia nele. Ele era um só ser humano, e não dois. Era o homem e também a mulher, e devia gerar da partir de si um reino angélico. E isso era possível, pois ele não tinha uma carne e um sangue tais quais depois da queda, quando teve vergonha diante da Majestade de Deus. Ele tinha uma carne e um sangue supracelestes! Suas essências eram santas: sem que seu corpo rasgasse, ele podia gerar uma imagem tal qual ele era. Afinal, ele era uma virgem sem forma feminina, conforme a forma da [virgem] eterna] (BOEHME, 2017, p. 152-153).
Por vezes, dada a nossa limitação da linguagem tendemos a falar de Deus com termos masculinos como Pai, porém Jesus mesmo usou termos femininos para se referir a sua divindade (vide a maternidade e não a paternidade de Deus presente na metáfora da galinha em Mateus 23:37/Lucas 13:34), porém ele não raro é associado com a Sabedoria divina, que segundo o luterano Jacob Boehme (2017): “... a imagem da Virgem eterna existia na substancialidade divina e eterna – em verdade sem ser; mas no homem Cristo ela veio em ser.” (p. 140); Considera bem isto: o Verbo de Deus, a palavra do Pai, veio sobre a cruz em Maria – entende: na Maria terrestre. Ora, onde a Palavra está, lá está a Virgem eterna, pois a Palavras está na Sabedoria e a Virgem da eternidade também está na Sabedoria, e uma não está sem a outra, pois, do contrário, a eternidade seria dividida.” (p. 140-141).
A Shekhinah, a presença divina (feminina) é geralmente associada ao Espírito Santo (MORAES, 1995). Mas, como diz uma história taoísta: O dedo que aponta a lua é importante para apontar a lua, mas não é a própria lua.
No comentário escrito pelo renomado rabino Arieh Kaplan, em sua edição do Sêfer Ietsirá, inclusive coloca que o nome Jah (contração de Javé ou YHWH) possui em si o He (feminino) do entendimento e o Yod (masculino) da sabedoria. Ainda conta uma passagem, que segundo ele foi usada até por rabinos posteriores para justificar que a inseminação artificial não se tratava de incesto ou adultério, em que Jeremias teria tido relações homossexuais em uma banheira e que posteriormente sua filha teria se banhado na banheira e engravidado do sêmen que ele ejaculou por lá, dando origem a Ben Sirá. Filho de Jeremias com sua filha, porém sem qualquer relação sexual entre ambos.
Aliás, falando ainda em Cabala, a Árvore da Vida que representa essa manifestação divina, os vários planos associados na chamada “Escada de Jacó” e o próprio adão perfeito apresenta três colunas, a masculina, a feminina e a “neutra”. A própria “Escada de Jacó”, elemento central na Cabala Toledana, é a sobreposição de 4 árvores da vida (1 árvore em cada plano: Azilut, Beriah, Yezirah, Assiyah) sendo que, conforme Halevi (2006), apenas nos planos mais baixos que Adão começa a se dividir, sendo em Yezirah o início dessa divisão e só em Assiyah (onde segundo o autor nós somos a encarnação de Adão) é que a a divisão por gênero. O Adão dos níveis mais puros (planos angélicos) continua sendo adrógeno, não é por isso que dizemos que uma discussão inútil é discutir o sexo dos anjos? De fato eles não existem e isso demonstra um estado de pureza não-binária entre os anjos e que Cristo promete ser o destino final da humanidade remida (Mateus 22:30).
Este primeiro Adão (Adam Kadmon), que no projeto de Deus era um só e foi criado inicialmente como um só, é divido em dois: Adão e Eva (FRANKIEL, 2009). A prova de que se tratava de um único ser, como alerta Araújo e Oliveira (2013), é que o homem recebe o mandamento em Gênesis 2:17 e depois é que a mulher é separada dele (Gênesis 2:21), porém, logo em seguida chega a serpente para enganar Eva e ela já sabia dos mandamentos divinos, demonstrando que ela era um só ser com o Adão anterior e portanto havia recebido nele o mandamento divino.
Vemos a humanidade começando a se partir, a se dividir e vivendo em sua incompletude (pra Boehme, a queda começa aí e não apenas no fruto proibido). Veja que quando entendemos assim, a ideia de superioridade de um sexo sobre o outro se mostra absurda, já que ambos são metades complementares. Eva é parte de um primeiro Adão (Kadmon significa primeiro, original) ao se separar surge um outro Adão (esse sim masculino) e Eva (feminino), até a separação ser na costela representa igualdade (se fosse superioridade seria na cabeça e inferioridade seria nos pés).
Essa não é a única separação que é possível vermos na história de Adão e Eva, o único se torna dois que se tornam mais (os descendentes) e assim a humanidade vai se fragmentando cada vez mais em mais e mais diferenças e grupos, muitas vezes se enfrentando como Caim e Abel. Todas as identidades (raciais, culturais, de gênero, etc) vem dessa divisão adâmica. A humanidade, antes unida, um vaso na mão do oleiro se parte com a queda em diversos cacos pequenos.
Como cristãos, nossa ideia é nos tornarmos novamente um só corpo e um só espírito, como partes desse novo Adão (Cristo). Em Cristo não há divisões, não há acepções de pessoas, não a desigualdades, pois “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus.” (Gálatas 3:28).
O próprio casamento, nesse contexto, é visto como o anseio da humanidade de se reunificar, tornar-se novamente uma só. O interessante é que outros povos tinham mitos sobre um ser andrógeno original, que partiu-se em 2 (homem e mulher) e que os casamentos até hoje seriam a tentativa de se reencontrar a metade perdida (aliás, daí surge o conceito de Alma Gêmea). Os gregos diziam que os seres andrógenos separados davam origem aos casais heterosexuais, os seres não-binários/andrógenos, agora partidos em dois, davam origem aos casais homossexuais. O fato de ser tão disseminada a ideia de uma humanidade una que se parte, dando origem as diferenças de gênero e o casamento como a reconstrução da unidade perdida, nos revela que tem uma verdade muito profunda e que de certa forma Deus deixou na mente de toda a humanidade.
Como conciliar essa sacralidade da união sexual-afetiva do casamento com a ideia já citada anteriormente de Mateus 22:30 de que a perfeição não-binária dos anjos é também assexual/arromântica? Basta lembrar que em Mateus 22:30, Jesus está falando do céu onde unidade já foi reestabelecida, o casamento aqui é uma tentativa (ou parte do caminho) de reestabelecer essa unidade e portanto devemos fugir das ideias equivocadas que demonizam o corpo e os relacionamentos, pois o corpo também é criação de Deus e o próprio Deus se fez carne para nossa salvação. Não é atoa que as escrituras possuem um livro de caráter sexual-afetivo (cântico dos cânticos), místicos de várias religiões usaram o sexo e a união amorosa como símbolos da união mística com a divindade e a própria redenção cristã usa a metáfora sexual-afetiva do casamento (a Igreja é vista como a esposa de Cristo), aliás é nesse casamento da Igreja que a humanidade se reunifica no novo Adão (Jesus) que novamente rompe com as divisões de gênero (e todas as outras divisões).
Resgatar toda essa diversidade da mística judaico-cristã (cabala, pietismo, rosacrucianismo, alquimia espiritual, etc) não só irá enriquecer nossa visão teológica, mas fornecerá armas eficazes, sustentadas na tradição cristã e nas escrituras contra o fundamentalismo anti-bíblico que nos ataca cada dias mais. Lembrando que estas concepções estão presentes desde a origem de nossa fé* e reaparecem em diversos movimentos (como os citados) ao longo da história da Igreja (da antiga Israel até a Nova Israel), portanto longe de um modismo heterodoxo, é recuperar o próprio sentido original das escrituras e das nossas crenças. Muitas dessas ideias tem sido absorvidas por outros grupos (esotéricos, ocultistas e etc), pois a igreja cristã tem esquecido deles e como nos é lembrado pelas escrituras: “Digo-vos que, se estes se calarem, as próprias pedras clamarão.” (Lucas 19:40).


* Swedenborg (2008) ainda falará que 4 estilos da escritura, sendo o segundo o sentido histórico, o terceiro profético e o usado pelos salmos de Davi (que fica entre os dois anteriores e que trata da pessoa interior). O autor ainda atribui ao desconhecimento do sentido espiritual a falta de compreensão sobre o Apocalipse e outros textos das escrituras. Sobre o primeiro, o espiritual ele diz nas páginas 69 e 70:
Em geral, no Verbo, há quatro estilos diferentes. O primeiro era empregado na Igreja mais antiga. Sua maneira de se expressar era tal que, quando mencionavam coisas terrenas e mundanas, pensavam nas coisas representativas, mas as combinavam numa espécie de séries históricas para lhes atribuir mais interesse e animação. […] Estas coisas representativas em Davi se chamam “enigmas da antiguidade” (Sl 78.2). Moisés possuia os enigmas sobre a criação, o jardim do Éden etc., até o tempo de Abraão, descendentes da Igreja mais antiga.


Referências:
ARAÚJO, Leonardo Oliveira de; OLIVEIRA, Marlanfe Tavares. Cabala Cristã. 1 ed. Lisboa: Chiado Editora, 2013. 109 p.
BOEHME, Jacob. A Grande Revelação do Mistério Divino. 3 ed. São Paulo: Polar, 2007. 172 p.
BOEHME, Jacob. A Vida Tripla Do Ser Humano. 1 ed. São Paulo: Polar, 2017. 376 p.
FRANKIEL, Tamar. Cabala: Uma Breve introdução para cristãos. 1 ed. São Paulo: Pensamento, 2009. 240 p.
HALEVI, Z´ev ben Shimon. Adam and the Kabbalistic Trees. revised ed. Londres: Kabbalah Society, 2006. 297 p.
KAPLAN, Arieh. Sêfer Ietsirá. 3 ed. São Paulo: Sêfer, 2015. 381 p.
LEVI, Eliphas. As Origens da Cabala. 1 ed. São Paulo: Pensamento, 19**. 137 p.
MORAES, Regina. A Cabala Cristã. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 1995. 249 p.
SWEDENBORG, Emanuel. Arcana Coelestia e Apocalispsis Revelata. 1 ed. São Paulo: Hedra, 208. 172 p.



Este trabalho foi apresentado no dia 26/10/19 no Seminário Gênero, Sexualidade e Fé realizado na Igreja da Comunidade Metropolitana no Rio de Janeiro.




Texto apresentado: https://drive.google.com/open?id=1IauKcAlEnwZfz58HJnrbW0KA3xLorFiX
Slides: https://drive.google.com/open?id=1xlgXOiRg1mK0nfMemrggNqJYszUbwJvP

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

26/10 Seminário Gênero, Sexualidade e Fé na ICM-Rio


Material apresentado
Texto apresentado: https://drive.google.com/open?id=1IauKcAlEnwZfz58HJnrbW0KA3xLorFiX
Slides: https://drive.google.com/open?id=1xlgXOiRg1mK0nfMemrggNqJYszUbwJvP

domingo, 18 de agosto de 2019

O literalismo fundamentalista é anti-bíblico

Um aspecto interessante na atualidade é uma representação social de cristianismo que se formou na mente do brasileiro médio, de um cristianismo fundamentalista literalista, que não corresponde ao cristianismo real e ao mesmo tempo é visto como o único e verdadeiro cristianismo.

Sabemos que interpretações profundas, espirituais ou mesmo alegóricas das escrituras não são novidade. O psicólogo social Michael Billig relembra que o judaísmo é uma religião claramente retórica, como vários dos seus textos podem demonstrar e que as controvérsias dos rabinos seriam entre eles e até com Deus. Vale lembrar que não é atoa que no Antigo Testamento vemos figuras importantes tentando fazer "Deus mudar de ideia" ou simplesmente negociando com ele:

"Disse-lhe, pois, o Senhor: "As acusações contra Sodoma e Gomorra são tantas e o seu pecado é tão grave que descerei para ver se o que eles têm feito corresponde ao que tenho ouvido. Se não, eu saberei".Os homens partiram dali e foram para Sodoma, mas Abraão permaneceu diante do Senhor.
Abraão aproximou-se dele e disse: "Exterminarás o justo com o ímpio?E se houver cinqüenta justos na cidade? Ainda a destruirás e não pouparás o lugar por amor aos cinqüenta justos que nele estão?
Longe de ti fazer tal coisa: matar o justo com o ímpio, tratando o justo e o ímpio da mesma maneira. Longe de ti! Não agirá com justiça o Juiz de toda a terra?" Respondeu o Senhor: "Se eu encontrar cinqüenta justos em Sodoma, pouparei a cidade toda por amor a eles". Mas Abraão tornou a falar: "Sei que já fui muito ousado a ponto de falar ao Senhor, eu que não passo de pó e cinza. Ainda assim pergunto: E se faltarem cinco para completar os cinqüenta justos? Destruirás a cidade por causa dos cinco? " Disse ele: "Se encontrar ali quarenta e cinco, não a destruirei". "E se encontrares apenas quarenta? ", insistiu Abraão. Ele respondeu: "Por amor aos quarenta não a destruirei". Então continuou ele: "Não te ires, Senhor, mas permite-me falar. E se apenas trinta forem encontrados ali? " Ele respondeu: "Se encontrar trinta, não a destruirei". Prosseguiu Abraão: "Agora que já fui tão ousado falando ao Senhor, pergunto: E se apenas vinte forem encontrados ali? " Ele respondeu: "Por amor aos vinte não a destruirei". Então Abraão disse ainda: "Não te ires, Senhor, mas permite-me falar só mais uma vez. E se apenas dez forem encontrados? " Ele respondeu: "Por amor aos dez não a destruirei". Tendo acabado de falar com Abraão, o Senhor partiu, e Abraão voltou para casa." (Gênesis 18:20-33)

Disse o Senhor a Moisés: "Tenho visto que este povo é um povo obstinado. Deixe-me agora, para que a minha ira se acenda contra eles, e eu os destrua. Depois farei de você uma grande nação". Moisés, porém, suplicou ao Senhor, o seu Deus, clamando: "Ó Senhor, por que se acenderia a tua ira contra o teu povo, que tiraste do Egito com grande poder e forte mão? Por que diriam os egípcios: ‘Foi com intenção maligna que ele os libertou, para matá-los nos montes e bani-los da face da terra’?  arrepende-te do fogo da tua ira! Tem piedade, e não tragas este mal sobre o teu povo! Lembra-te dos teus servos Abraão, Isaque e Israel, aos quais juraste por ti mesmo: ‘Farei que os seus descendentes sejam numerosos como as estrelas do céu e lhes darei toda esta terra que lhes prometi, que será a sua herança para sempre’ ". E sucedeu que o Senhor arrependeu-se do mal que ameaçara trazer sobre o povo. (Êxodo 32:9-14)

Além disso, os místicos, cabalistas  e outros, desde a mais tenra idade destas religiões buscaram um significado profundo, alegórico ou mesmo espiritual para as escrituras. Mais recentemente teólogos liberais e outros também retomaram esta visão com as devidas adaptações. Alguns chamariam este conhecimento de "esotérico", porém prefiro evitar o termo por conta de outras conotações envolvidas na palavra. Estas tradições são muito mais antigas do que o próprio fundamentalismo literalista, este sim um movimento extremamente recente.

Fonte da imagem: http://www.osaopaulo.org.br/noticias/como-ler-a-biblia



















Curiosamente, o marketing do fundamentalismo é tão forte que mesmo pessoas no meio dito esotérico ou místico, ou até mesmo pessoas de fora do cristianismo, vêem tudo que está fora do fundamentalismo literalista como se fosse heterodoxo (quando na realidade é o oposto) e por mais que consigam se abrir em algumas coisas e se sentirem os "desconstruídos", na realidade seguem a cartilha fundamentalista a risca.

Sempre lembro da conversa com uma amiga lésbica, criada em família fundamentalista, que havia se tornado ateia por ódio a homofobia fundamentalista, ao eu tentar mostrar que essa homofobia não era inerente ao cristianismo me repreendia e ela mesma se dizia em pecado (demonstrando um claro conflito interno). Em homenagem a este diálogo, vamos usar como exemplo o caso de Sodoma e Gomorra.

Apesar de estar caindo em desuso, ainda ouvimos falar da prática de sodomia e de onanismo como pecados sexuais nas igrejas fundamentalista, aliás basta colocar na internet qualquer uma das duas palavras que não faltarão baboseiras sobre. O dicionário Priberam define, por conta do uso popular que se consagrou na língua, o termo sodomia como "Prática sexual em que há penetração do ânus com o .pênis. = SODOMITISMO", em outras palavras o sexo anal. Mas, no popular, o sexo anal heterossexual é descartado e apenas o homossexual é lembrado.

Aliás, até hoje a história dos anjos que seriam violentados em Sodoma é usada até hoje como base principal para a condenação da homossexualidade. Eu sempre achei essa história muito esquisita, principalmente por ela se basear literalmente em discutir o sexo dos anjos afinal, se anjo não tem sexo, como seria possível definir que aquela relação foi homossexual ou heterossexual? Mesmo que os anjos estivessem disfarçados, ainda assim não faria sentido. Sempre pensei que seria mais lógico entender como a profanação do sagrado e como corações profanos o pecado de Sodoma, até que eu comecei a estudar as escrituras mais a fundo e descobri que a própria Bíblia é categórica ao desmentir as mentiras dos "fundamentalistas literalistas" (que na realidade apenas seguem a Bíblia conforme a sua conveniência):

“O pecado de sua irmã Sodoma foi este: ela e as cidades dependentes estavam cheias de soberba, abundância e despreocupação, mas não deram a mão para fortalecer o pobre e o indigente”. (Ezequiel 16:49)

Ao falar isso alguns objetam que esse poderia ser um dos pecados, mas não o principal, mas não seria curioso que em todas as advertências e comentários que o próprio texto bíblico faz sobre essa história em nem ao menos 1 único momento ela fala sobre sexo, mas reafirma sempre sobre a opressão contra os necessitados? Como essa opressão poderia ser secundária se ela é a única citada (e várias vezes) e o principal seria algo que nem ao menos é indicado no texto? Nitidamente não há qualquer pecado sexual na condenação a Sodoma e Gomorra e sim a condenação contra a opressão que ela cometia contra os mais vulneráveis:
"Governantes de Sodoma, ouçam a palavra do Senhor! Vocês, povo de Gomorra, escutem a instrução de nosso Deus! "Para que me oferecem tantos sacrifícios? ", pergunta o Senhor. Para mim, chega de holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos gordos; não tenho nenhum prazer no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes! Quando lhes pediu que viessem à minha presença, quem lhes pediu que pusessem os pés em meus átrios? Parem de trazer ofertas inúteis! O incenso de vocês é repugnante para mim. Luas novas, sábados e reuniões! Não consigo suportar suas assembleias cheias de iniquidade. Suas festas da lua nova e suas festas fixas, eu as odeio. Tornaram-se um fardo para mim; não as suporto mais! Quando vocês estenderem as mãos em oração, esconderei de vocês os meus olhos; mesmo que multipliquem as suas orações, não as escutarei! As suas mãos estão cheias de sangue! Lavem-se! Limpem-se! Removam suas más obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva." (Isaías 1:10-17)

Portanto, para ser biblicamente correto, deveria ser chamado de sodomita não o praticante de sexo anal ou o homossexual, mas sim o que não se importa com o sofrimento dos pobres e nada faz por ele, os governos que não auxiliam os seus necessitados, os religiosos que acham que vão convencer Deus por seu falatório nas orações e cultos e não vivendo uma vida que agrade a Deus ao socorrer os seus filhos mais fracos.

Fonte: https://cebimg.org.br/metodo/
















Agora vamos falar do Onanismo é associado com a masturbação, sendo que na realidade o pecado que Onã fez foi o Coito interrompido, ejaculando fora da esposa de seu irmão. Vale lembrar que na tradição de Israel, quando alguém morria sem deixar filhos, sua esposa se casaria com seu irmão e o primeiro filho dessa relação seria considerado como seu.

"Então Judá disse a Onã: "Case-se com a mulher do seu irmão, cumpra as suas obrigações de cunhado para com ela e dê uma descendência a seu irmão".Mas Onã sabia que a descendência não seria sua; assim, toda vez que possuía a mulher do seu irmão, derramava o sêmen no chão para evitar que seu irmão tivesse descendência. O Senhor reprovou o que ele fazia, e por isso o matou também." (Gênesis 38:8-10)

Esta regra tinha como objetivo tanto para evitar dúvidas sobre a paternidade, pois ela poderia estar grávida sem saber quando ficou viúva, quanto principalmente para garantir uma descendência para o falecido (lembrando que isto era uma das coisas mais importantes para aquele povo e até algo necessário naquela época).

Onã ao tentar não engravidar a esposa de seu irmão para não desejar dar descendência a ele, na realidade estava sendo egoísta com ambos (com seu irmão e com a viúva) e era como se matasse novamente o irmão, pois seria não cumprir o grande desejo da vida do mesmo (que é estranho para nós e não era na época). Além, e principalmente, com o irmão (Er) sem descendentes, o mais natural é que ele conseguisse se apossar dos bens do mesmo. Sem falar na fraude sexual, tanto que sua cunhada Tamar fica tão desesperada que tenta enganar o próprio sogro para que ele a engravide já que ninguém a engravidava (nem seu finado marido, nem Onã e o cunhado mais novo ainda era novo demais).

O pecado de Onã foi o egoísmo, a ganância, o abuso (ao usar do sexo com sua cunhada sem ser para os fins acordados com ela e desejado pela mesma) e fraude sexual, a tentativa de dar um golpe em seus familiares. NADA TEM A VER COM MASTURBAÇÃO, que nem ao menos aparece na história (e se a pessoa acha que o coito interrompido está diretamente ligado com a masturbação, então precisa de instrução não só bíblica como sexual).

Portanto, quer ser fiel para com as escrituras sagradas? Se afaste do fundamentalismo literalista e busque os grandes místicos, os cabalistas, os teólogos liberais e outros. No fundamentalismo literalista tudo o que você conseguirá será se afastar do Espírito das escrituras não só na doutrina como também nos ódios e opressões que ele espalha.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

A maçonaria brasileira vai ter que encarar questões polêmicas.

Já faz tempo que a Maçonaria Brasileira se encontra em crise e falo isso não em termos institucionais, mas em termos de qual o caminho que os maçons brasileiros desejam para a ordem... A Constituição do Grande Oriente do Brasil afirmar o seguinte em seu Título I:

"Art. 1o - A Maçonaria é uma instituição essencialmente iniciática, filosóica, filantrópica, progressista e evolucionista, cujos fins supremos são: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Parágrafo único. Além de buscar atingir esses fins, a Maçonaria: [...] III - proclama que os homens são livres e iguais em direitos e que a tolerância constitui o princípio cardeal
nas relações humanas, para que sejam respeitadas as convicções e a dignidade de cada um; IV - defende a plena liberdade de expressão do pensamento, como direito fundamental do ser humano,observada correlata responsabilidade;XI - defende que nenhum Maçom seja obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; XII - condena a exploração do homem, os privilégios e as regalias, enaltecendo, porém, o mérito da inteligência e da virtude, bem como o valor demonstrado na prestação de serviços à Ordem, à Pátria e à Humanidade; XIII - afirma que o sectarismo político, religioso e racial são incompatíveis com a universalidade do espírito maçônico; XIV - combate a ignorância, a superstição e a tirania. "

O logo do GOB já relembra esse equilíbrio entre o antigo e o novo.

Apesar disso, a maçonaria brasileira tem sido formada cada vez mais por homens conservadores (o que não é um problema em si) e até reacionários. Veja que a maçonaria garante a liberdade de pensamento, como está ali em cima. Porém, o problema é quando essa posição se torna sectária e tenta excluir outras formas de compreensão. Um exemplo: Hoje, poucas lojas maçônicas brasileiras possuem homossexuais assumidos em seus quadros e boa parte dos irmãos ficaria de cabelo em pé se ouvisse falar que tem um irmão homossexual. Basta jogar em algum grupo de internet a pegunta se um maçom (ou membro de uma ordem paramaçônica como DeMolay, Filhas de Jó e etc) pode ser homossexual e você verá a chuva de comentários contrários (embora alguns vão ser favoráveis). A Maçonaria nos EUA já tem posição clara e inclusiva sobre, em vários Estados, como demonstrou o irmão Kennyo Ismail.

Recentemente, a mídia brasileira deu uma boa ênfase no julgamento do STF sobre a criminalização da homofobia e transfobia. Tendo tido destaque a advogada trans Maria Eduarda Aguiar, pioneira na OAB-RJ a ter a carteirinha com seu nome social, entretanto a mídia esqueceu de noticiar que Maria Eduarda é Sênior DeMolay (do Capítulo Avalon nº 568 do SCODB e que esteve regular durante um tempo no SCODRFB pelo Capítulo Rio de Janeiro nº 001), bem como é maçom iniciado na Grande Loja Maçônica do Estado do Rio de Janeiro (GLMERJ).

Será que nossa agora irmã seria bem vinda em boa parte das lojas maçônicas? No Brasil eu não sei, mas na Inglaterra (ou lojas jurisdicionadas a UGLE em terras estrangeiras) certamente! Sim, a grande loja mais antiga do mundo, tida por muitos como a mãe da maçonaria moderna e que (de acordo com o que é conveniente) é tratada no Brasil como um "Vaticano maçônico", publicou uma nova política sobre transgêneros. Resumidamente é o seguinte: transhomens (conhecidos pela sigla FTM), ou seja pessoas que nasceram como sexo biológico feminino e ao longo da vida se identificaram como homens são aceitos para a iniciação. Ficou difícil de entender? Então, imagine que Thammy Gretchen (o trans homem mais famoso do Brasil) pode sim ser maçom sem qualquer impedimento. 
Foto do perfil do Twitter de Thammy Miranda (conhecido como Thammy Gretchen)
E quanto a mulheres trans (conhecidas pela sigla MTF)? Se a maçonaria é uma instituição apenas para homens e se aqueles que se "tornaram" homens ao longo da vida podem iniciar, então mulheres trans devem estar proibidas, certo? Errado. Se o irmão, ainda antes de se identificar/assumir/"transformar"* em mulher for iniciado ele continuará como maçom, sendo agora nossa irmã. Sim, é uma exceção a regra em que uma mulher pode ser maçom regular. A ideia é bem simples, se uma vez iniciado não dá para desiniciar um irmão, então mesmo que ele não tenha mais os requisitos para iniciar, como já está iniciado, assim deve permanecer.

Print do Blog No Esquadro. Leia a política completa em: https://www.ugle.org.uk/gender-reassignment-policy
Agora, qual é o problema de não termos uma política clara (e inclusiva sobre isso)? Além de casos de discriminação, imagine que uma transmulher viaje para o Brasil e queira visitar sua loja, você vai barrar um maçom regular da UGLE? Imagina o incidente diplomático grave. Agora imagina se essa transmulher ocupa algum posto elevado naquela grande loja... O incidente diplomático se torna ainda mais grave (e olha que no Brasil já tivemos alguns incidentes diplomáticos no âmbito maçônico).

Acha que é difícil de acontecer? Agora lembre que a UGLE possui lojas em terras estrangeiras e inclusive no Brasil. Eu mesmo já tive em reunião em loja do GOB com a presença de irmãos da UGLE, agora imagina se em uma dessas lojas da UGLE no Brasil tivermos algum irmão trans? 

Ou a Maçonaria brasileira acorda para essa política inclusiva internacional ou, além de correr o risco de ser atropelada pelo bonde da história, corre o risco quem sabe até de perder o reconhecimento internacional. E maçom sabe como reconhecimento é tudo...

quarta-feira, 6 de março de 2019

Carnaval: Festa Cristã.

Existe um famoso samba-enredo da G.R.E.S. União da Ilha do Governador chamado "Festa Profana" (1989 reeditado em 2005 pela G.R.E.S. Unidos do Porto da Pedra), que associa o carnaval com antigas festividades, em especial pagãs. Nada nesse mundo tem apenas uma origem, sem estar em birra com esse clássico samba que ainda anima as festas pelo Brasil inteiro e leva muitos a "tomar um porre de felicidade", que tal mostrar um outro lado do carnaval? Eu poderia começar lembrando de Jesus elogiando a fé do centurião "pagão", que seria maior que a da ortodoxia de Israel (Mateus 8:5-13).

É importante lembrarmos que o carnaval, como conhecemos hoje, é marcado pelo calendário litúrgico cristão, o que faz com que cada ano ele caia em uma data diferente, pois ele depende do início da Quaresma (que se iniciou hoje com a quarta-feira de Cinzas). Sendo assim o carnaval marca o fim da quadra da Epifania (quadra festiva em que se comemora a manifestação de Deus, em Cristo, no mundo) e antecede a penitencial Quaresma. Recentemente li um fundamentalista associando o carnaval com os cultos afro-brasileiros, sendo que apesar da presença forte deles nos carnavais (até pelos terreiros e pelas escolas de samba tradicionalmente acolherem os excluídos que Cristo não excluiria, mas as igrejas muitas vezes sim).

É interessante que, liturgicamente, as festividades do carnaval e o seu "porre de felicidade" ocorram durante a Epifania, talvez para nos lembrar da manifestação do Cristo que é chamado de beberrão e comilão, que festeja com seus amigos que são pecadores e prostitutas (Mateus 11:16-19, Lucas 7:31-50, etc).

Famosa citação de Dom Hélder Câmara (foto da internet)
Em 2019 eu desfilei pela G.R.E.S Renascer de Jacarepaguá, e muitos me perguntaram sobre um cristão pular o carnaval e especialmente por eu ter saído em uma escola que falava sobre a festa de Iemanjá na Bahia (Dois de Fevereiro no Rio Vermelho) e a minha ala usava a fantasia do Orixá Oxossi. Primeiro que o desfile das escolas de samba é um grande teatro ao ar livre, portanto ali estão retratados elementos da cultura popular e os que ali desfilam estão como que atuando em um peça, portanto qualquer que fosse a fantasia ou tema encenado era irrelevante para a crença de quem desfila (até por só ser possível se fantasiar ou interpretar o personagem que não se é, um evangélico vestido de padre está fantasiado no carnaval, um ator vestido de padre está atuando, um padre vestido de padre é apenas ele mesmo).
Oxossi - Ala 7 da Renascer de Jacarepaguá (2019)
Outro ponto é que eu tenho uma ótima relação com pessoas de todas as religiões e defendo o diálogo inter-religioso, mesmo quando não é a minha crença, eu respeito e convivo bem com todos e creio que isso é fundamental para a cultura de paz e para a nossa sociedade. Até pelo simples motivo de que, como cristão, não creio que a salvação de alguém dependa de algo que nós façamos ou deixemos de fazer e isso inclui a adesão ou não a uma confissão mais ou menos ortodoxa. Não é denominação e nem a doutrina que salva, antes é a graça de Deus que atua através da fé (que não é algo humano e nem se confunde com a adesão a determinada crença).

Mas, infelizmente, o carnaval de 2019 teve várias cenas de intolerância por parte de grupos fundamentalistas conta a escola de samba de São Paulo, a Gaviões da Fiel. A polêmica começou quando em uma encenação supostamente Jesus seria vencido pelo diabo. Sendo que na realidade o Jesus/Santo Antão ali representado, até sofre nas mãos do diabo, mas não é vencido (o Bem vence o mal no fim da encenação). Se algum cristão tem dúvidas da profunda verdade teológica dessa encenação, então precisa rever a história da Quaresma e da Paixão de Cristo, bem como tudo o que Santo Antão sofreu em seus combates contra o diabo. Os fundamentalistas contaminados pela Teologia da Prosperidade esqueceram da cruz de Cristo e pregam eles sim doutrinas que estão mais próximas do inimigo do que de Cristo como a sã teologia demonstra (I Coríntios 1:22-25).

Parte final da encenação da Gaviões da Fiel. Fonte: Veja
Esquecendo um pouco os fanáticos fundamentalistas, que não merecem nem receber algum espaço neste blog, inclusive tendo alguns espalhado a notícia falsa de que alguém envolvido na coreografia teria morrido por castigo divino (lembrando que o Diabo é o pai da mentira e que ele é que guarda ódio dos outros e tenta se vingar, não Deus), o ano de 2019 teve alguns temas cristãos bem fortes e presentes nos desfiles das escolas de samba, especialmente na G.R.E.S Unidos da Tijuca (7ª colocada no Grupo Especial em 2019) e na G.R.E.S. Estácio de Sá (campeã do Grupo A em 2019):




É bem verdade que a Estácio faz uma menção a Obatalá (Oxalá) que é sincretizado na Umbanda com Jesus, mas além de ser bela essa menção de como Jesus é lembrado em outras religiões (ao seu modo), também é bela essa convivência harmônica entre as diversas crenças que o carnaval proporciona (e que deveria ser comum no cotidiano). Aliás, tal mistura harmoniosa não é nova e já foi feita por Gilberto Gil na música "Oração pela libertação da África do Sul"

Que Deus permita a maior presença cristã no carnaval (e não estou falando do "carnaval gospel"), a maior tolerância e respeito entre as diversas religiões e que os cristãos sejam mais o reflexo do Cristo que andava com excluídos e pecadores, andava nas festas e menos o reflexo dos mal-humorados fariseus. Em nome de Jesus. Amém.

Publicado originalmente em: http://professormoroni.blogspot.com/2019/03/carnaval-festa-crista.html

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Os artigos da firme fé cristã de Jacob Boehme

Muitos conhecem o nome de Jacob Boehme, um dos mais polêmicos e influentes místicos luteranos. Sua obra influenciou o movimento de renovação espiritual evangélico na Alemanha (pietismo), o movimento rosacruciano (alguns debatem se ele fez parte do movimento ou se ele apenas teria influenciado o mesmo), o martinismo (Saint-Martin é inclusive o tradutor de Boehme para o francês), o movimento de renovação espiritual do anglicanismo chamado de metodismo (tanto pelo metodismo nascer como uma "releitura" inglesa do pietismo alemão, quanto por um dos mestres dos irmãos Wesley ter sido o rev. William Law que foi um dos difusores de Boehme em inglês).

Isso só para falar no que ele influenciou diretamente no campo da religião, através do pietismo e do metodismo podemos ver ideias de Boehme sendo propagadas até no pentecostalismo clássico e outros ramos, sem falar na sua influência na filosofia alemã.

Apesar de ser hoje mais lembrado no meio esotérico (e mal lembrado, com uma visão bem distorcida de suas ideias), Boehme era um cristão convicto, um protestante luterano bem ortodoxo em sua fé e que apesar de ter grandes comentários teológicos sobre muitas doutrinas (ex.: A intercessão dos santos e a comunicação com os mortos que ele acreditava não ser possível salvo em situações excepcionais como sinal permitido por Deus, mas que se devia ter o cuidado para não levar a idolatria, heresia e etc.) vou transcrever apenas aqueles artigos que o próprio Boehme definiu como os fundamentos da firme fé cristã em seu livro "Os Três princípios da Essência Divina" (no 17º capítulo, página 311 da edição brasileira publicada pela Polar Editora):



"I) Nós cristãos, cremos e confessamos que a Palavra de Deus Pai tornou-se um verdadeiro homem substancial, com um corpo e uma alma, no seio da Virgem Maria, sem participação de homem. Pois cremos que ele foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu do seio da Virgem sem alteração de sua castidade virginal.

II) Ademais, cremos que ele morreu  em seu corpo humano e foi sepultado.

III) Ademais, cremos que ele desceu aos Infernos, quebrou os laços com os quais o demônio mantém o homem cativo e libertou a alma do homem.

IV) Ademais, cremos que ele morreu voluntariamente pelos nossos pecados, nos reconciliou com seu Pai e nos reconduziu à graça junto com ele.

V) Ademais, cremos que ele ressuscitou da morte no terceiro dia, ascendeu ao Céu e está assentado à direita de Deus Pai todo-poderoso.

VI) Ademais, cremos que retornará no último dia para julgar os vivos e os mortos, tomar para si sua esposa e condenar os ímpios.

VII) Ademais, cremos que aqui sobre a Terra há uma Igreja Cristã, que é gerada em seu sangue e em sua morte, como um corpo com muitos membros, que ele cuida dela e a governa com seu Espírito e sua Palavra, e que ele a purifica continuamente, pelo santo batismo, que ele mesmo ordenou, e pelo sacramento de seu corpo e de seu sangue, para que nele ela seja um único corpo.

VIII) Ademais, cremos que ele a protege e a mantém, e a conserva numa unidade de sentimento."