segunda-feira, 29 de julho de 2019

A maçonaria brasileira vai ter que encarar questões polêmicas.

Já faz tempo que a Maçonaria Brasileira se encontra em crise e falo isso não em termos institucionais, mas em termos de qual o caminho que os maçons brasileiros desejam para a ordem... A Constituição do Grande Oriente do Brasil afirmar o seguinte em seu Título I:

"Art. 1o - A Maçonaria é uma instituição essencialmente iniciática, filosóica, filantrópica, progressista e evolucionista, cujos fins supremos são: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Parágrafo único. Além de buscar atingir esses fins, a Maçonaria: [...] III - proclama que os homens são livres e iguais em direitos e que a tolerância constitui o princípio cardeal
nas relações humanas, para que sejam respeitadas as convicções e a dignidade de cada um; IV - defende a plena liberdade de expressão do pensamento, como direito fundamental do ser humano,observada correlata responsabilidade;XI - defende que nenhum Maçom seja obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; XII - condena a exploração do homem, os privilégios e as regalias, enaltecendo, porém, o mérito da inteligência e da virtude, bem como o valor demonstrado na prestação de serviços à Ordem, à Pátria e à Humanidade; XIII - afirma que o sectarismo político, religioso e racial são incompatíveis com a universalidade do espírito maçônico; XIV - combate a ignorância, a superstição e a tirania. "

O logo do GOB já relembra esse equilíbrio entre o antigo e o novo.

Apesar disso, a maçonaria brasileira tem sido formada cada vez mais por homens conservadores (o que não é um problema em si) e até reacionários. Veja que a maçonaria garante a liberdade de pensamento, como está ali em cima. Porém, o problema é quando essa posição se torna sectária e tenta excluir outras formas de compreensão. Um exemplo: Hoje, poucas lojas maçônicas brasileiras possuem homossexuais assumidos em seus quadros e boa parte dos irmãos ficaria de cabelo em pé se ouvisse falar que tem um irmão homossexual. Basta jogar em algum grupo de internet a pegunta se um maçom (ou membro de uma ordem paramaçônica como DeMolay, Filhas de Jó e etc) pode ser homossexual e você verá a chuva de comentários contrários (embora alguns vão ser favoráveis). A Maçonaria nos EUA já tem posição clara e inclusiva sobre, em vários Estados, como demonstrou o irmão Kennyo Ismail.

Recentemente, a mídia brasileira deu uma boa ênfase no julgamento do STF sobre a criminalização da homofobia e transfobia. Tendo tido destaque a advogada trans Maria Eduarda Aguiar, pioneira na OAB-RJ a ter a carteirinha com seu nome social, entretanto a mídia esqueceu de noticiar que Maria Eduarda é Sênior DeMolay (do Capítulo Avalon nº 568 do SCODB e que esteve regular durante um tempo no SCODRFB pelo Capítulo Rio de Janeiro nº 001), bem como é maçom iniciado na Grande Loja Maçônica do Estado do Rio de Janeiro (GLMERJ).

Será que nossa agora irmã seria bem vinda em boa parte das lojas maçônicas? No Brasil eu não sei, mas na Inglaterra (ou lojas jurisdicionadas a UGLE em terras estrangeiras) certamente! Sim, a grande loja mais antiga do mundo, tida por muitos como a mãe da maçonaria moderna e que (de acordo com o que é conveniente) é tratada no Brasil como um "Vaticano maçônico", publicou uma nova política sobre transgêneros. Resumidamente é o seguinte: transhomens (conhecidos pela sigla FTM), ou seja pessoas que nasceram como sexo biológico feminino e ao longo da vida se identificaram como homens são aceitos para a iniciação. Ficou difícil de entender? Então, imagine que Thammy Gretchen (o trans homem mais famoso do Brasil) pode sim ser maçom sem qualquer impedimento. 
Foto do perfil do Twitter de Thammy Miranda (conhecido como Thammy Gretchen)
E quanto a mulheres trans (conhecidas pela sigla MTF)? Se a maçonaria é uma instituição apenas para homens e se aqueles que se "tornaram" homens ao longo da vida podem iniciar, então mulheres trans devem estar proibidas, certo? Errado. Se o irmão, ainda antes de se identificar/assumir/"transformar"* em mulher for iniciado ele continuará como maçom, sendo agora nossa irmã. Sim, é uma exceção a regra em que uma mulher pode ser maçom regular. A ideia é bem simples, se uma vez iniciado não dá para desiniciar um irmão, então mesmo que ele não tenha mais os requisitos para iniciar, como já está iniciado, assim deve permanecer.

Print do Blog No Esquadro. Leia a política completa em: https://www.ugle.org.uk/gender-reassignment-policy
Agora, qual é o problema de não termos uma política clara (e inclusiva sobre isso)? Além de casos de discriminação, imagine que uma transmulher viaje para o Brasil e queira visitar sua loja, você vai barrar um maçom regular da UGLE? Imagina o incidente diplomático grave. Agora imagina se essa transmulher ocupa algum posto elevado naquela grande loja... O incidente diplomático se torna ainda mais grave (e olha que no Brasil já tivemos alguns incidentes diplomáticos no âmbito maçônico).

Acha que é difícil de acontecer? Agora lembre que a UGLE possui lojas em terras estrangeiras e inclusive no Brasil. Eu mesmo já tive em reunião em loja do GOB com a presença de irmãos da UGLE, agora imagina se em uma dessas lojas da UGLE no Brasil tivermos algum irmão trans? 

Ou a Maçonaria brasileira acorda para essa política inclusiva internacional ou, além de correr o risco de ser atropelada pelo bonde da história, corre o risco quem sabe até de perder o reconhecimento internacional. E maçom sabe como reconhecimento é tudo...